No belo número sobre literatura feito recentemente pela Ilustríssima, uma opinião enfatiza os problemas da produção contemporânea, não apenas no Brasil, a de Alcir Pécora.
O professor da Unicamp faz uma distinção clara entre medidas necessárias à manutenção e eventual ampliação do mercado livreiro e a produção literária propriamente dita – instâncias que por vezes acabam confundidas.
Nos trechos da entrevista (que está na íntegra apenas no Folha On Line, como todas as demais – o dossiê é exaustivo) ele chama a atenção para problemas com os quais concordo inteiramente: a nossa pouca importância internacional (o gosto estrangeiro pelo exótico é que comanda o eventual interesse) e, sobretudo, a questão educacional. Ou seja: como ter mais leitores se não se faz mais conexão entre vida e leitura, se a leitura é vista como obrigação aborrecida, se a educação é o meio mais eficaz para separar pessoas e pessoas, para criar apartheid, para discriminar os da “escola particular” (que, mesmo no caso das escolas mais arejadas não conseguem senão promover o encontro do mesmo com o mesmo, quer dizer, da classe média com a classe média) dos da escola pública, que se tornou um grande depósito de jovens pobres em contato consigo mesmos.
O desmonte do nosso sistema público de ensino (laico, universal e gratuito) é, assim, uma questão adicional-central a uma crise literária que é, em linhas gerais, mundial. Pécora observa que a agonia do Estado-nação afeta diretamente o romance, que dava conta das epopéias nacionais. Que lugar ocupará agora? E como?
Ainda não pensei nessas questões em termos de produção cinematográfica. Talvez não existam. Talvez se coloquem de outra maneira. Mas a reflexão aqui é intrigante (vale a pena consultar o dossiê inteiro, que tem opiniões de várias gamas, de vários setores da produção literária, críticos, escritores, editores) e nos joga num território de dificuldades.
A Feira de Frankfurt e os programas da política do livro mantidos pelo governo (bolsas de tradução, bolsas de criação, criação de festivais) trouxeram resultados significativos para a produção artística?
Esse tipo de iniciativa, à qual acrescentaria as festas e os prêmios literários cada vez maiores e mais comuns, têm efeitos eventuais para a profissionalização do escritor e para o incremento do mercado livreiro. Ou seja, pode favorecer quem faz da literatura um negócio, mas os resultados mais comuns se resumem à publicidade em favor de alguns autores de umas poucas editoras, o que pode gerar um cânone de ocasião, por assim dizer, tirado da manga para um evento oficial e finito ali mesmo.
A meu ver, a produção artística, em termos de nível médio, só é realmente afetada pela qualidade do sistema educacional do país.
A perspectiva de aceitação no mercado exterior norteia de alguma forma o tipo de literatura que se está produzindo? O jovem autor escreve pensando no exterior?
“Jovem” já é uma categoria do negócio e não da literatura: trata-se de colocar novos produtos na praça identificados a um novo público consumidor. Como categoria do negócio, ela vai aonde vai o negócio, e, portanto, é crível a figura desse “jovem” em busca de um padrão que vença no “exterior”.
Mas duvido um pouco dessa abertura do exterior para a literatura brasileira. Essa possibilidade deve permanecer um nicho de poucos, justamente aqueles agenciados por grandes editoras, ou então de uns poucos autores já conhecidos, entre eles o famigerado Paulo Coelho. Acho que o momento de curiosidade maior pelo Brasil já passou. Ásia e África parecem estar mais na cena desse mercado “exótico” do que o Brasil.
Existe uma “globalização” dos temas?
Eu li outro dia um livro brasileiro que imitava o Dan Brown, assim como li outros que imitavam o Vila-Matas. Me lembro daquele projeto “Amores Expressos”, que colocava autores nacionais em cenários estrangeiros e buscava dar-lhes rumos internacionais. Assim, há qualquer esforço de globalização de temas, mas na prática ocorre apenas a adoção de estereótipos literários internacionais, os quais acabam suscitando pouco interesse desse mercado globalizado.O que o mercado globalizado da literatura pede, em geral, é o contrário do que já pode ter por si mesmo. Isto é, pede o pitoresco e exótico locais, ou então narrativas com testemunhos de experiências de minorias marginalizadas ou situadas em zonas conflagradas e pouco conhecidas. Na primeira alternativa, Jorge Amado é mais “globalizado” do que qualquer autor brasileiro contemporâneo que eu conheça. Na segunda, há pouca coisa a ser oferecida pelo Brasil, pois a exclusão social é grande a ponto de testemunhos de experiência direta raramente alcançar versão escrita, quanto mais literária. Quando ocorre, dá-se muito mais na música popular ou no documentário jornalístico que na literatura. Até a moda praiana, produzida na favela, tem mais sentido de encaixe no mercado globalizado que a literatura brasileira.
A literatura contemporânea inova em algum sentido? Ela renova formas, gêneros? Como?
A literatura contemporânea, no Brasil ou fora dele, raramente inova, pois vive um impasse radical. De um lado, já não consegue fazer a epopeia da construção nacional, pois a circulação internacional do capital minou as bases do Estado-nação; de outro, não cola como valor estético suficientemente duradouro, pois seu programa, geralmente associado a reivindicação de direitos, tende a ser imediatista e relativo a grupos restritos.
Acho que a Teoria tem ocupado a centralidade cultural que era da literatura. Os grandes nomes da cultura, hoje, com rara exceção, são de pensadores, teóricos, não de escritores.