A vitalidade da China invade o cinema de Jia Zhang-ke.
É assim em “As Montanhas se Separam”, seu novo filme.
Um belo melodrama, diga-se.
Mas não é tanto isso que me chama a atenção, quanto as imagens em que a beleza se confunde com aquela fuligem de poluição.
A China quer progredir. Não faz muita questão, pelo jeito, do que acontece com o meio ambiente. E nem com seus habitantes.
É um trambolho neocapitalista gerado à moda comunista.
Temos ali dois amigos. Um será sempre mineiro nas minas de carvão. Talvez haja um quê de autodestruição amorosa aí, mas isso é outra história.
O outro, Jinsheng, é dotado de uma arrogância proporcional ao dinheiro que conseguiu (vira milionário).
Jinsheng dará ao filho o nome de Doele, corruptela de Dollar.
É bem o que me parece a ideia terrível que Jia projeta para o ano de 2025 (o filme começa em 1999/2000, a segunda fase é em 2014).
Dollar, o filho, vive na Austrália. É chinês mas só fala com o pai através de intérprete. É herdeiro de uma fortuna e não sabe o que fazer da vida.
Em suma, é um homem que deixou sua cultura original e não agregou nenhuma outra: o “homo neoliberalis” típico.É um ser perdido no tempo e no espaço.
É a primeira vez que vejo essa questão, a da relação entre desenraizamento e neoliberal tratado do ponto de vista estritamente cultural.
Ou seja, essas crianças que estamos criando (ou algumas delas, as que são o modelo, afinal), essas criadas para serem a elite, que nascem num lugar X, estudam em Y e produzem em Z.
Serão o quê? Ricos. “Good for you”. Mas mau, mau, mau para a civilização.
Me lembram esses jovens magnatas da web, que inventam uma coisa e ficam ricos e famosos.
São, certamente, pessoas inteligentes, mas.. E daí?
Vejo na TV um documentário sobre Leite Lopes e César Lattes. A ambição deles nunca foi enriquecer. Foi criar uma ciência forte no país.
E será que Einstein ou Max Planck ou Freud se preocupavam com isso, em transformar invenções em fortunas?
Fala sério. Não sou de ser saudosista, mas algo anda desregulado no mundo.