Entender a Lei Rouanet, essa flor do neoliberalismo

Por Inácio Araujo

O mundo dá voltas. A maior parte das vezes inutilmente, mas dá.

Não faz nem uma semana, direitistas obtusos sustentavam que você só pode apoiar a ideia de um governo eleito (o de Dilma Rousseff) chegar ao seu final caso seja beneficiário dele em algum nível.

Que artistas contra o impeachment vivem às custas da Lei Rouanet.

Agora leio no UOL que Regina Duarte vai poder receber R$ 2 milhões da Lei Rouanet. Embaixo completa-se a informação dizendo que ela defendeu o fim do MinC.

As duas formulações servem para fomentar equívocos, e dessa matéria já estamos lotados. Em matéria de Rouanet basta dar uma olhada na Wikipedia, se não quiser ir mais longe, para saber do que se trata.

Primeiro, essa lei é uma flor do neoliberalismo. Propõe que, em vez do Estado financiar a cultura (e, portanto, escolher quem receberá dotações, subsídios ou lá o que seja), a tarefa caberá à sociedade (leia-se: à iniciativa privada).

Então, os acéfalos segundo quem “o nosso dinheiro” vai para eventos culturais de certa forma têm razão: trata-se de um dinheiro de renúncia fiscal do Estado. Quando o cara diz que recebeu dinheiro pela Lei Rouanet, “mas não dinheiro do Estado” ou não sabe o que fala ou fala de má-fé (nesse caso, convém apostar no segundo caso).

O fato é que a cultura tem de ser financiada de algum modo, embora para esses retardados o mundo seria bem melhor se não houvesse nem cultura, nem educação, nem ideias, nem qualquer outro desses inconvenientes que se interpõe à sua baba.

A aprovação de projetos pela Rouanet obedece a critérios técnicos. Exclusivamente. Se chega um filme para ser avaliado trata-se apenas de saber se o projeto postulante tem viabilidade técnica.

Ninguém dirá se o roteiro do Babenco é melhor ou pior que o do Kleber Mendonça e assim por diante.

Da mesma forma, não interessa minimamente se a Regina Duarte é contra ou a favor do MinC, do governo passado ou do futuro. Nada. Ninguém quer saber se ela é melhor ou pior que a Fernanda Montenegro ou mais simpática que o Fagundes ou algo assim.

Se o projeto é tecnicamente aceitável, ela terá o direito de levantar até R$ 2 milhões. Pode ser que levante menos, ou nada. Não importa.

Se a lei é boa ou não, certa ou errada, é outra história.

Mas para falar dela é bom saber minimamente do que se trata.

Pode ser que Regina Duarte ou qualquer outro venha a receber os tais 2 milhões do Estado (via renúncia fiscal). Pode ser que não. Eu posso amá-la ou odiá-la, conforme suas posições políticas. Mas não posso dizer que a autorização para captar pela Rouanet signifique algum tipo de privilégio por sua posição política (ou qualquer outra razão).

Bom, chega dessa conversa que é chata à beça, embora seja necessário tocar nela.