Boris maio 1917 – maio 2016

Por Inácio Araujo

 

Foto: Fernando Donasci/Agência O Globo
Foto: Fernando Donasci/Agência O Globo

Não me lembro de outra pessoa tão generosa com os jovens que éramos como Boris Schnaiderman.

Ele falava de Maiakovski ou Malevich com quem vinha à sua casa como se estivesse, sei lá, com Augusto de Campos.

Falava dos tesouros artísticos mantidos no subsolo do Ermitage pelos comunistas, que gostavam daquelas artes porcaria e não deixavam circular o melhor da Rússia – e sobretudo da própria URSS.

A gente ia lá por causa da Regina, a mulher dele, que na época era a psicanalista de, sei lá, quase todo mundo que eu conhecia.

E era o pai da Miriam, que também se tornou psicanalista, além de ter obra relevante como documentarista.

A Regina era mais exuberante, Boris mais discreto. Mas cada intervenção sua nos informava de maneira gentil, como se fingisse não saber que tratava com uma molecada curiosa.

Deixou três livros incompletos, disse Miriam durante o velório.

Que de algum modo terão de ser publicados: completados ou assim mesmo, o que for.

Boris Schnaiderman morreu aos 99 anos. Atravessou o XX com tudo a que tinha direito: emigração, guerra, vicissitudes, reconhecimento. Plenitude, enfim.

O Brasil tem sorte, aliás, de tê-lo tido como soldado. Enfim, alguém capaz de relatar com brilho e justeza o que aconteceu.

Há anos não falava com ele. O via entrando ou saindo, de tempos em tempos do shopping de Higienópolis. Não parecia ter idade. Parecia eterno. Talvez a impressão viesse de certa plenitude.