Em princípio, tinha tudo para não gostar de “Nise”: didático, narrativamente bem tradicional, filme “de mensagem” etc.
E, no entanto, gostei bastante, às vezes justamente pelas razões acima.
Primeiro, me parece que um filme narrativo tradicional não é um crime. É preciso, no entanto, que seja bem escrito, bem montado e, finalmente, bem dirigido.
“Nise” é tudo isso. Dentro de um cinema dramático acho que não é absurdo compará-lo, em termos de competência, ao que fez, digamos, Daniel Filho em “Se Eu Fosse Você”, quer dizer: pode não investir na invenção, mas investe na eficácia.
Este “Nise” precisava de uma boa direção de atores. Pois ela é mais que boa. Muito boa mesmo.
A narração é fluente, vai aos pontos em que pretende tocar e, apesar de alguns excessos na demonstração da eficácia dos métodos adotados (ou criados, não sei) por Nise da Silveira, achei que a coisa anda bem.
De todo modo, o aspecto demonstrativo da batalha antimanicomial da protagonista é bem exposto, com clareza e sem excessos, no geral.
E os opositores, a psiquiatria tradicional, é brasileiramente reacionária, quer dizer: é isso mesmo que, aliás, boa parte da medicina por aqui professa inda hoje: muita atenção à medicina e nenhum apreço aos pacientes.
O que mais me intriga nessa história toda, para ser bem franco, é como nossa elite produziu ali pelos anos 1940/50 gente como Nise, Leite Lopes, César Lattes, isso para ficar só em alguns exemplos científicos, para depois mergulhar numa esterilidade grande.
Existe, aliás, um ótimo documentário sobre Lattes & Leite Lopes, onde se vê que esses caras só saíam do Brasil ou exilados ou por extrema necessidade. Queriam fazer algo pelo país, pelas pessoas daqui.
Hoje o objetivo é cair fora o mais depressa possível. Pode-se dizer que esses aí eram nacionalistas e tal… Ok. Mas o objetivo agora não é fazer o bem para a humanidade. É ter condições ideais de pesquisa (o que é justo, mas podia ser uma reivindicação feita aqui) e se encher de dinheiro, o que é lamentável.
Mais ou menos o mesmo acontece com o cinema. Tem muita gente (não preciso dar nomes) cujo sonho é fazer sucesso em Hollywood. Quando se fazia cinema nos anos 1960/70 pensava-se no Brasil, nos nossos problemas, na nossa fome, na nossa ignorância e tal. Agora vai cada um se salvar como pode e, se der, buscar a glória internacional…
A coisa anda pra trás…
Hou Hsiao-Hsien
Desde o primeiro filme do Hou Hsiao-Hsien eu tenho certas reservas ao cara. Era um filme com três gerações de chineses, cada uma com uns 40 personagens, de maneira que até hoje tento descobrir quem era quem (e quando) naquela história.
Vejo que um monte de gente acha “A Assassina” o máximo.
É bonito, sem dúvida. Às vezes muito bonito. Mas… Não me pareceu no todo tão animador assim.
É um perfeccionista.
E eu sou bem Renoir nessas coisas: não é preciso tanta perfeição. Amar os seres, a natureza, os animais é mais importante. E Hou, não sei, maneja muito bem as cores, mas não me parece amá-las – como Murnau amaria, por exemplo. Ele as utiliza. É diferente.
Em suma, em matéria de China sou mais Edward Yang, King Hu, Jia Zhangke.