Ela Volta na Quinta

Por Inácio Araujo

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Faz dias, já, que tento escrever sobre “Ela Volta na Quinta”, que me parece um dos filmes mais interessantes que vi nos últimos tempos, mas em que não vi esse algo que faz dos curtas de André Novais e dos Filmes de Plástico sempre eventos tão marcantes.

Vamos a algumas notas esparsas, então:

1 – É muito diferente quando um diretor de cinema de boa vontade vai a um bairro pobre ou a uma favela, essas coisas. O que ele vê é perigo, ameaça de marginalidade, tráfico, assassinatos. Por certo existe tudo isso, mas a família que André sintoniza, que é a dele, não passa por nada disso.

Como não passam as famílias em geral. O que existe ali, como norma, fora do mundo midiatizado? Estudos, lutas, busca de trabalho, aluguéis a pagar, busca de melhores lugares para viver, supermercado a fazer etc.

Ou ainda um velho casal em vias de divórcio como aqui.

Nada a ver com o subúrbio midiatizado da TV, onde só acontecem assassinatos, anormalidades, massacres, etc. Essas coisas acontecem, claro, mas não fazem parte do dia a dia. Na TV parece que são a única coisa.

Então, não me parece surpreendente que o filme suba demais na parte final, quando as questões centrais são colocadas com mais ênfase e clareza.

2 – Passemos pela opacidade do filme moderno: existe ali algo como uma falta de clareza por exposição um pouco confusa dos acontecimentos.

Entendo (e aprecio) a opção pelo tom baixo, pelo não dito, pela não dramatização dos problemas. Mas também não entendo por que, numa longa cena em que os dois irmãos conversam, dizer-se que os pais vivem discutindo fortemente. Uma coisa ou outra: esse tipo de informação, em que uma parte do filme desmente a outra, desorienta o espectador, e não vejo qual a vantagem disso.

3 – Há um longo plano que, me pareceu, prejudica todo o ritmo do filme: um longo plano de conversar entre os dois irmãos, fechado em um deles. São minutos e minutos de uma conversa cujo significado se perde ao longo da trama, a não ser por alusões aos problemas entre pai e mãe.

4 – Em compensação, que maravilha a cena da retirada da geladeira para conserto. Não me lembro de ter visto nada parecido a respeito de um gesto cotidiano de trabalho, porém árduo, cheio de perigos, um pouco burlesco… Uma beleza.

5 – Ou ainda a cena do casal que se põe a conversar sobre se é ou não hora de ter filhos. Se têm ou não dinheiro.

6 – Ou a cena na casa da amante do pai, cheia de contradições também.

7 – Ou a conversa da mãe sobre o pai sonhador, com o filho sonhador.

8 – Tudo que diz respeito à vida cotidiana deles está de acordo com o que se espera de Novais no longa-metragem, pois essa turma de Contagem é espantosa no curta.

9 – Me parece que a dificuldade na passagem ao longa está no encontro de uma estrutura mais sólida, menos desigual, talvez mesmo aberta à fantasia (como no último curta de Novais que vi, com aquelas ventanias fabulosas).

10 – No geral, porém, o talento está lá, depositado num filme família, literalmente, em que as questões de um grupo familiar de pequena classe média se mostram perfeitamente universais. Essa a beleza do filme: partir de situações particulares e extrair delas o que têm de partilhável por qualquer pessoa. É o caminho inverso dos filmes ou da TV que só vão ao subúrbio para mostra-lo como anomalia ou particularidade.