Primavera do DVD

Por Inácio Araujo

corrida2

Devia ser o ocaso: as locadoras fecham, os negócios mínguam, os piratas abundam.

E é bem aí que a Versátil se destaca enormemente.

Vou ficar com apenas um filme da nova série de seis de “A Nova Hollywood”: “Estrada Sem Fim”, o “Two Lane Blacktop”.

Talvez o melhor Monte Hellman. Ok, junto com “The Shooting”, faroeste tão ousado quanto este “road movie”.

Mas a “Corrida Sem Fim” emplacou bem mais.

Teve um efeito seguro sobre a minha geração, pelo menos a quem estava ligado nas mudanças do cinema naquele tempo (o filme é de 1971). A audácia era extrema, assim como a originalidade: eu só vi o filme em TV, porque a TV antiga tinha dessas coisas, passava coisas espetaculares de repente. Só na França fui ver o filme na tela.

O pessoal dos anos 80 (1980) também ficou muito ligado no filme. E acho que até hoje as pessoas de hoje também vão se impressionar muito.

Até hoje é bem misterioso. No extra que acompanha o filme uma pessoa diz que nos filmes daquele tempo os personagens parece que iam a uma festa fantasiados de palhaços. É verdade. No “Two Lane Blacktop” não: os personagens estão vestidos com roupas normais, e, no entanto, perfeitamente fieis à época.

Essa é uma das virtudes. Fundamentais. Mas que dizer da história? Dois caras que só pensam em carros, uma garota a quem eles dão carona, um cara com um carrão que decide apostar com eles quem chegará antes a Washington.

São todos refratários, assim como o filme. Não são hippies, não contestam nada, não são contra a guerra do Vietnã: são a gente de fora. De fora de tudo. De fora do discurso, em alguns casos: o silêncio fala por eles, a estrada fala por eles, o carro fala por eles.

Os carros: o dos rapazes que é uma montagem de vários carros, de pedaços achados, essas coisas. O de GTO (esse seu nome), um GTO, isto é, um produto industrial.

Nessa guerra eles se enfrentam várias vezes, mas também se encontram: há um mundo de mistério em cada personagem, um mundo de mistério atravessando o filme e sendo o filme.

É uma obra-prima que, acho, em 2020 ainda continuará sendo admirada.