Antes de entrar no assunto “Já Visto, Jamais Visto” me parece pertinente esclarecer algumas coisas que tentei falar em Tiradentes e desenvolver um pouco no post anterior sobre Andrea Tonacci.
“Bang Bang” trabalha a ruína de um cinema clássico a partir, em grande parte, de Godard. O que temos ali é um filme noir em que os personagens como que perseguem a si mesmos, mas onde o sentido nunca fecha.
Já “Serras da Desordem” trabalha de certa forma no sentido inverso: trata-se de reunir tudo que o cineasta tem a seu dispor: 35 mm, vídeo, digital, televisão, o documental, o ficcional, para chegar à representação da ruína de uma cultura, mas também de uma subjetividade.
É a ruína da representação que é posta em cena. Para torná-la novamente possível, para reencontrar a verdade dessa tragédia é necessário, portanto, mobilizar todos os recursos possíveis, inclusive o presente e o passado (não se deixar vencer pela atualidade).
Neste particular, no final o filme traz a cena que me parece a mais chocante: aquela em que o diretor aparece na tela, como se irrompesse ali na verdade, como se fosse um engano de montagem, e ordena a marcação que deve ser seguida por Carapiru, ator e personagem.
Ou, desde então: ator ou personagem? Sujeito ou objeto do filme? Objeto novamente? Mesmo no cinema mais bem-intencionado, então, o índio não readquire o direito a ser ele mesmo?
No geral, me parece que o movimento se inverte inteiramente em relação a “Bang Bang”: não se trata de boicotar o sentido, mas de reencontrá-lo, de buscá-lo nas profundezas da ruína informativa.
“Já Visto Jamais Visto” é outro filme de produção de sentido a partir da memória e dentro dela. O ponto de partida são os filmes de família perdidos: as cenas que filmou dos pais e que se deterioraram. O restauro feito pela Cinemateca de parte do material permite ao cineasta reencontrar parte dessas imagens (se bem entendi sua explicação) e reencontrar a imagem perdida do passado.
Portanto, estamos diante de um tempo reencontrado. Existe uma perda fatal a que todo homem é sujeito: a dos pais. Ela representa nossa orfandade, mas também a autonomia no mundo. Perde-se a proteção para adquirir a maturidade.
Num segundo momento, passa-se de filho a pai. Eis então as imagens do menino – o filho – na casa de campo. Dorme, sonha, brinca. Talvez fosse o embrião de “Agora Nunca Mais”, belo roteiro nunca filmado (talvez nem concluído). Não importa.
Agora justapostas às imagens da geração passada produzem outro efeito: o pai é outro. É como se quisesse, pela filmagem, deter o tempo e reter o filho naquele momento de infância (a filmagem original precede o filme que vemos agora em mais de 20 anos…), pois sabe que, como ele, pai, o menino escapará, crescerá (escapou, cresceu?), constituirá sua própria vida, enquanto o pai será atirado na indesejável consciência de sua finitude.
Mas é o movimento natural das coisas: o pai morre, o filho se torna pai, o filho cresce, o pai morre, o filho torna-se pai. Tudo renasce: é esse o caminho da espécie.
Bem, não sei se isso faz grande sentido ou mesmo se faz sentido. É assim, em todo caso, que tenho visto, nos últimos tempos, os principais filmes de Tonacci.