Homenagem a Andrea Tonacci

Por Inácio Araujo

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Bela ideia a de homenagear Tonacci. Para mim, essa geração tem quatro ases: Rogério, Carlão, Bressane e ele próprio.

Todos tiveram percurso complicado. Talvez o Bressane um pouco menos, mas todos com filmes nunca exibidos, boicotes, exílios etc.

De todos, acho que o Tonacci é o mais centrado, por assim dizer: nunca se desviou do seu projeto, nunca se desesperou com as contrariedades, nunca fez concessão alguma.

E quando filmou fez filmes marcantes.

Quando juntou coisas (e agora mais, com a Cristina Amaral montando menos como montadora do que como companheira), resultado também formidável, inesperado, surpreendente, desafiador.

Bem, tudo isso aí me fez não escrever sobre ele num livro dedicado a Serras da Desordem que o Daniel Caetano organizou e me deu a honra de convidar para escrever.

Eu de cara disse que não, não escreveria.

Não tinha nenhuma ideia nova sobre ele, tinha antes impressões, o prazer que me dava ver seus filmes etc.

Mas isso não dá um artigo, nem vagabundo.

Então, segue um:

Artigo vagabundo

Minha ideia surgiu vendo um programa na TV com Claude Simon, o romancista francês, prêmio Nobel de 1985.

Incrível: ele falando, uma beleza: claro, inteligente, simples, nada enfatuado. Quando liam os textos dele eu quase dormia: nouveau roman não é fácil.

Mas ali ele começa a falar de ruínas, de como nosso mundo se edifica sobre ruínas. Explico: ele era criança durante a Primeira Guerra, numa região que foi fronte. E fronte naquela guerra, amigo, eu vi um filme: foi tudo reduzido a ruínas.

Então, ele sabe do que fala.

Toda a civilização se faz sobre ruínas: Atenas, Roma, Primeira Guerra, Segunda etc.

E eu pensei que a ruína é um princípio do cinema do Tonacci.

Blá blá blá: ruína da palavra, do sentido. Palavras que não valem, não se traduzem em coisa. São ocas. O vazio.

Bang Bang: ruína do cinema. O cinema todo, toda a sua linguagem clássica envelhecida desde Godard sobretudo, mas envelhecida por si mesma, pela repetição, pela indústria. Ruína da cultura. Mas também ruína de quem vivia naquele momento de repressão violenta, de ausência de horizonte.

Serras da Desordem: de uma cultura, dos índios, da floresta, de uma família, de uma tribo, de uma vida. Enfim… o fracasso da civilização branca, de novo em entender e conviver com os índios. Fora mais um monte de coisas (ganância, predação etc.)

Já Visto ,Jamais Visto – esse é um de que me proponho a falar outro dia. Acho muito rico, muito especial. Para resumir, me parece um filme proustiano, e não me lembro de ter visto outro.

Não sei se esse modo de ver as coisas faz sentido, mas acho que sim. Não tem a ver, me parece, com o que ele pensa de seu trabalho, mas isso não está em questão.

Enfim, espero que com isso pelo menos não tenha chovido no molhado.

Tiradentes continua linda. E, caramba, é fim de semana, cheia, cheíssima, mal dá pra se mover.