Spotlight ou a mediocridade

Por Inácio Araujo

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Se alguém quiser ter uma ideia de como se sente uma criança molestada por padre, deve assistir a “Sobre Meninos e Lobos”, de Clint Eastwood. Se quer ter uma ideia do que seja um jornalista, as opções são várias, a começar pelo repórter de “Crime Verdadeiro”, do próprio Clint.

Não é a única opção: Billy Wilder criou “A Montanha dos Sete Abutres”, entre os dramas. Mas a comédia “A Primeira Página” dá bem uma ideia de como somos. Pode-se encontrar outra versão da mesma peça, tão boa quanto, talvez um pouco melhor: “Jejum de Amor”, de Howard Hawks. Os dois filmes são baseados na peça de Bem Hecht e Charles MacArthur, que eram jornalistas e sabem do que falavam. A primeira versão da peça é de 1930 ou 31, não sei, bem começo do sonoro, de Mervin LeRoy, mas não conheço o filme.

Não fica por aí, claro. O funcionamento de uma redação, com suas disputas e fofocas, está muito bem representado em “No Silêncio de uma Cidade”, de Fritz Lang.

E por aí vamos. Não é preciso chegar a Samuel Fuller, que foi jornalista dos bons etc.

O caso é o seguinte: a única informação relevante de “Spotlight” diz respeito aos fatos relatados pelo Boston Globe sobre a pedofilia generalizada em Boston.

É algo de que todos já ouvíramos falar, e que acabou meio abafado pela igreja. Trata-se, em todo caso, de informações absolutamente extracinematográficas.

Concretamente, investigação proposta resume-se a dois movimentos: em um, os jornalistas levam a porta ou o telefone na cara; no outro, recebem telefonemas, em geral dos mesmos caras que lhes desligaram na cara.

No meio disso tudo há explicações que versam sobre os inúmeros personagens envolvidos e dos quais em geral nem lembramos, porque o roteiro não tem foco claro.

Isso é o de menos. A composição dos jornalistas é um desastre. Quem quer que tenha passado em frente a uma redação sabe que não somos idealistas. Somos profissionais. O que move o jornalista é o senso de dever profissional. O entusiasmo também pelo que faz. O interesse pelas vítimas, tudo isso, é absolutamente secundário: as vítimas são o que dá peso ao material, antes de tudo.

É triste, mas é assim. O jornalista costuma ser, no mais, um cínico.

Digo isso porque são ridículas aquelas caras compungidas, onde temos um grupo de atores muito mal dirigido. Às vezes atores muito bons.

Com tudo certo, “Spotlight” seria ainda um filme de tema, mas não seria uma coisa afundada na mediocridade.

E no comercialismo. Sabemos que não é fácil ouvir relatos de vítimas de assédio. O filme nos priva disso. Nenhum! Quando alguém começa a falar, muda para outro. Desculpe, há uma exceção, o presidente da associação dos sobreviventes, mas é alguém que o próprio cargo faz experimentar a situação de maneira, digamos, burocrática, ou política.

Outra: é referido que o personagem do Mark Ruffalo é casado. Não se vê a mulher. Está meio separado? Está em retiro espiritual? O quê? E o marido da McAdams só serve para abrir a porta… E assim vamos. No mais, clicheria aberta (jornalistas afobados etc. e tal)

Faz muito tempo que o Oscar deixou de ser o prêmio de melhor filme do ano conforme o gosto da Academia de Artes etc. para ser o melhor filme de Oscar do ano.

Essa indicação faz o prêmio cair outro degrau.