Devo admitir que até hoje o cinema de Gabriel Mascaro, em relação a ele, quero dizer, eu mantinha uma relação de distância, prudência, rejeição.
Não gostei nada daquele documentário sobre as pessoas que vivem nas coberturas de Recife, que tinha essa particularidade detestável de fazer o espectador e a equipe se sentirem melhores do que os personagens.
O filme das domésticas me deixou indiferente. Acho que essa experiência de dar a câmera ao próprio personagem não leva muito a nada. E, como o personagem não monta o filme, se leva a alguma coisa ela é arbitrária.
Por fim, o primeiro filme ficcional dele anunciava uma espécie de Greenaway brasileiro, quer dizer, de alguém que joga tudo na estética.
E aí vou ver o Boi Neon com os dois pés atrás e… saio meio que de quatro.
Ali está um belo retrato da gente da vaquejada, num Nordeste em transformação. O que fica e o que passa.
E tenho a impressão de que ele mascarava com estética certo temor de que sua dramaturgia, muito moderna, não fosse aceita.
Tem razão, porque Boi Neon é todo fundado em personagens e situações e nada em história. Passamos do caminhão ao acampamento, do leilão ao banho coletivo etc. Nada de relevante acontece, mas nada aborrece (sim, claro, lembrei do Hawks), porque vai nos mostrando particularidades desse modo de vida, das pessoas que vivem ali, suas diferenças, entusiasmos, tédio e tudo mais.
O que mais talvez tenha me impressionado é que todos os personagens parecem deslocados ali. A menina, claro, não tem nada a ver com aquilo e o expõe bem claramente, sobretudo com seu gosto por cavalos. Mas a moça, tão feminina, guiando aquele caminhãozão, mexendo nas ferramentas, enquanto o vaqueiro que chega, o Junior, com seus longos cabelos, é pura vaidade, nada a ver, até onde a gente possa imaginar, com a sensibilidade de quem passa o dia mexendo com as vacas.
O personagem do Juliano Cazarré, o vaqueiro (é assim que chama? Ou é cowboy, ou sei lá), é o deslocamento em pessoa: do rabo da vaca aos desenhos de moda e à máquina de costura, o roteiro desmonta todas as nossas expectativas sobre esses seres e, ao mesmo tempo, as vai reconstruindo, agora como um ensinamento: como quem diz que é preciso esquecer o clichê.
E o belo final nos deixa com a pergunta na garganta: o que será desses personagens? Os que aspiram a algo chegarão lá? E os que não aspiram não o fazem por que nada têm a aspirar ou por que se sentem felizes nessa atividade, ou ainda por que não veem nem mesmo como sonhar?
Enfim, o filme termina abruptamente e nos remete a nós mesmos. Um tanto espelho de nós, do que somos (aspirações, frustrações, sonhos, ambições, conformismos etc.), um tanto revelação de um modo de vida.
A beleza continua evidente, mas agora não descola, só raramente, do objeto: parece caminhar na direção de uma secura maior, de uma discrição maior, de uma beleza menos evidente, mas nem por isso menos presente: apenas que não nos desvia do filme.
Ou é que o Gabriel Mascaro está mais maduro ou eu é que estava sacando pouca coisa do que ele pretendia. Mas acho que vai chegando a algo que talvez, até agora, ainda procurasse.