O stalinismo visto por dentro

Por Folha

Quero falar de “O Clã”, que para mim significa a volta de Pablo Trapero a seus melhores dias. E traz um ator espetacular (prova de que Ricardo Darín está longe de ser o único ator argentino de cinema). Mas antes preciso falar um pouco de “O Retrato”, de Osvaldo Peralva, que foi reeditado este ano.

Escrevi há algum tempo que para dar conta do stalinismo era necessário um escritor de policiais. Por isso tudo deu certo no livro do Leonardo Padura.

Osvaldo Peralva foi um jornalista de destaque, acho que nunca foi repórter de polícia. Antes de tudo, era um comunista de quatro costados, o que o levou a fazer um curso de quadros em Moscou.

Não ficou por aí: tornou-se representante brasileiro no Kominform, cuja sede ficava na Romênia.

O relato é de um crente completo no regime que, aos poucos, vai percebendo o tanto de perversidades que tornou inviável a convivência de pessoas de boa fé com o establishment stalinista e mesmo pós-stallinista.

Cito apenas um episódio que entra no livro, quando, já depois da desestalinização, Kruschev convida Tito, da Iugoslávia – oo único líder comunista da Europa Oriental que nunca bateu continência para a URSS – a visitar Moscou para fazerem as pazes.

Tito diz, não – melhor você vir aqui à Iugoslávia!

E, comenta Peralva, a questão é que Tito tinha medo de chegado a Moscou, ser sequestrado e desaparecido…

Antes, Kruschev tinha proposto que os desentendimentos podiam se encerrar assim: Tito botava a culpa em  Milovan Djilas (escritor que havia desertado), Kruschev botaria a culpa em Molotov (que ele já havia liquidado) e tudo se acertava.

Tito mandou ele plantar batatas.

Enfim, o livro é super bem informado, seja pelo que Peralva pôde levantar de informação, seja pelo que era impossível saber (que é muito….).

Só as impressões de um hotel de Praga onde ficavam os maiorais exilados já é um documento impressionante.

No fim, há uns capítulos sobre seu retorno ao Brasil. Interessante para saber como se movia PCB em período de fora-da-lei, mas também como reprodução dos métidos e das maluquices do Kominform.

Claro, essa parte é um tanto passional: Peralva acerta contas com uns caras com quem não se dava bem. Marighella entre outros, acho que o Diógenes Arruda, expressão máxima do burocratismo na visão dele, mais ainda.

Mesmo que se leve em conta esse lado passional, “O Retrato” é um interessante retrato do stalinismo, pois é isso que ressalta do conjunto absolutamente apaixonante de experiências de que dá conta o autor.