Da primeira vez, me encantou “A Pele de Vênus”. Da segunda, devo dizer, muito mais.
Primeiro, porque Polanski é um desses cineastas que se distinguem sempre que mergulham em si mesmos e, através de si mesmos, no humano. A sexualidade não existe sem dominação. O amor também não. A dominação não se exerce fora da perversão. Eis o que somos, nos diz o polonês com um empenho e uma força fascinantes.
Tenho a impressão de que o filme nem de longe fica só nisso. Ele traz um duelo pela dominação da cena: uma atriz e um diretor disputam o poder de dizer o que é conveniente, como interpretação, texto, luz, mise-en-scène enfim.Nesse duelo, quem será o sujeito e quem o objeto da criação? (o público não existe).
E há, ainda, um combate entre homem e mulher, disfarçado (ou jogado em derisão) pelas facilidades do feminismo professado pela atriz. Mas, veremos, esse é mesmo um disfarce da erínia vingativa que se manifesta ao final. E, de certo ponto de vista, é uma pegada muito oportuna: no passado, a dominação da mulher pelo homem era mascarada por códigos sociais e funções precisas.
Existe ainda essa misteriosa transformação da Vanda que chega ao teatro na Vanda personagem. Quando se dá? Foi ensaiada? Improvisada? Corresponde ao que ela é? Ou seriam dois personagens, um se superpondo ao outro? E seria ela sempre uma mentira, uma “composição” (até a cena final, talvez, quando se imporia sua última e verdadeira – ou mais decisiva – máscara)?
Essa Vênus múltipla atualiza o “pornô SM” a que se refere Vanda de maneira fulgurante e dá a Emanuelle Seigner, enfim, o status de estrela à altura de sua beleza. Com este filme ela deixa de ser “mme. Polanski”. Quem sabe Polanski se revele “monsieur Seigner”, numa inversão em nada alheia ao ponto de chegada do filme?