Brasilia 50%

Por Inácio Araujo

Ou um pouco menos. Uma crise forte de labirintite me pegou no segundo dia de festival, de maneira que pude ver poucas coisas e pude ficar muito tempo preso no hotel, sem comer, tomando Gaterade com bolacha Cream Craker que o Orlando Margarido me providenciava. Ele também me visitava, assim como o André Luiz Oliveira: basicamente foram os meus contatos humanos nesses dias.

Quando consegui me equilibrar e já não ter nojo absoluto de comida, desci ao restaurante e comi um pouco de melão e mamão.

Foi assim: ainda estou meio fora de equilíbrio, mas já dá para escrever alguma coisa.

Vi poucos filmes. Menos de 50% do tempo em que estive lá, na verdade. Mais de 18%. Perdi o filme do Burlan em que, dizem, o Jean-Claude está ótimo de ator.

Acho o J.C. Bernadet um ator formidável e foi uma pena ter perdido esse dia.

Bem, de todos os filmes que vi, “Quintal” me pareceu de longe o melhor. André Novais, daquele grupo ótimo de Contagem (MG) surpreende, encanta, faz rir, deixa apreensivo o espectador, o lança numa rua deserta, mostra uma senhora indefesa dominar o vento e levantar peso, um senhor que descobre uns filmes pornô virar mestre em pornografia…

Nada parece merecer ser visto com maior seriedade, talvez por não ser o caso de levar a vida a sério. Mas o cinema sobra ali.

Dito isso, no setor curtas gostei de vários filmes. Alguns ainda irrealizados, um pouco imaturos, mas promissores. Outros parecem parar no meio por falta de dinheiro. Mas todos bem interessantes, com exceção de um, um discurso em favor da diversidade sexual que seguiu o discurso em defesa da diversidade sexual feito pelo diretor antes do filme: um caso de duplo emprego óbvio e um filme, desculpe, bem frouxo.

Quer dizer: posso até concordar com as premissas dele, mas cinema de propaganda não dá pé. Mensagem a gente manda pelo zapzap.

diontiGostei da “Família Dionti”. Me parece que pode ser comparado, em diversos aspectos, a “Big Jato”, o filme do Claudio Assis, de que eu esperava um pouco mais.

“A Família” traz também um caso de educação sentimental, e me parece mais interessante o encontro do menino Dionti com a garota do circo que o Xico tal como desenvolvido no “Big Jato”.

Ambos os filmes nos levam a regiões remotas do Nordeste e de Minas. Mas fiquei com a impressão de que os Dionti têm mais frescor, mais despojamento do que o “Big Jato”. O que não enturmo nos “Dionti” é nesse investimento meio realismo fantástico, que me parece uma coisa meio fácil. Há quem diga que o meu livro tem isso de realismo fantástico ou mágico, mas espero que não, com toda franqueza: acho coisa muito fácil.

O que emperra o filme do Claudio Assis é o recurso muito frequente ao pitoresco. É muito forte no começo. As conversas de pai e filho em torno de “quem faz aquilo” são um ponto bom, seguido de uma bela reunião familiar. A figura do tio anárquico, sensual, folgazão, faz um bom pendant ao pai. A ideia de um processo de libertação do garoto também é boa.bigjato

O filme patina, me parece, ao insistir em determinados tiques, em fincar pé no pitoresco da linguagem e quase brandi-lo como um trunfo, em lugar de permitir que fluísse suavemente (nos “Dionti”, os diálogos entre os dois filhos são, não raro, muito bons e se passam desse tipo de carga).

Por fim, me parece que o Claudio Assis está encostando o que o seu cinema tinha de mais interessante, que era um certo brutalismo, certo desconsolo mesmo, em troca de uma espécie de investimento poético um pouco postiço (ao menos nele, não sei como as coisas se passam no livro do Xico Sá).

Tudo isso tira leveza ao filme, no qual eu senti falta daquela conjugação de brutalismo e acuidade dos primeiros filmes dele.

No entanto, existem ali elementos muito bons, que poderiam ser mais desenvolvidos (olha aí eu me metendo no filme dos outros de novo!). O Príncipe é um belo achado: o louco da cidade, apaixonado pela princesa Isabel. Mas ele não interage com ninguém, fora o menino. O próprio Xico tem uma paixão pela garota que chega é bem legal, mas quase arbitrária. Não poderia se relacionar ao fato de ela estar chegando da cidade? A coisas que ela mostra etc???

Há várias coisas boas, como o conjunto “Os Betos”, quintessência dessa formação do menino em três níveis: o realista (o pai), o sonhador (o tio radialista) e o irrealista (o príncipe).

O que faltou, na minha impressão, foi dar um salto desse pitoresco regionalista para algo mais amplo, mais vivo.

Fiquei com a impressão de que é um filme a meio do caminho do que poderia ser. O que não significa que seja ruim. É um pouco que nem eu nesses dias: fifty fifty.