De volta a que horas ela volta

Por Inácio Araujo

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Pensava no que disse a amiga Olgária. Ela viu o trailer do filme e disse: “Eu não vou ver esse filme. Já sei tudo que acontece”. E começou a dizer o que acontecia. E acontecia no filme exatamente como ela dizia.

E ela já estava entediada com esse tipo de clichê do rico ruim e do pobre legal – espero estar interpretando certo o que ela disse.

Agora me ocorreu que não precisava ser assim.

Parece que algo aconteceu na cabeça da Anna Muylaert que mudou o rumo do filme, até porque de classe alta alienada ela tratou magnificamente naquele telefilme que fez para a TV Cultura.

O que me ocorreu é o seguinte: desde que chega, a menina, a filha da Regina Casé, é um entojo.

Ela não é desenvolta, é petulante. Não é Ela é o espelho daquela patroa rica.

Mas também representa algo como a ascensão da chamada classe C. É tão mal educada quanto muitos, mas bota muitos nisso, garotos e garotas de outras classes sociais.

Então, me parece, o filme se encaminhava para outro tipo de embate do que o meramente classista.

Mas algo o desvia para lá. Talvez a ênfase na atitude da patroa encubra o caráter da menina.Talvez seja o hábito de jogar a culpa nos ricos, sempre (não é questão de ter ou não razão nesse ponto, mas de dar uns passos além desse ponto).

Enfim, a Anna Muylaert disse que O Som ao Redor a inspirou ao escrever o roteiro, quer dizer, que ajudou-a a resolver uns tantos problemas.

Tenho a impressão de que O Som, no seu aspecto principal, é um filme da permanência: os conflitos passam do campo para a cidade, do Sertão para o Mar (diria Ismail), porém permanecem intactos. Nada muda: os procedimentos, a truculência, os ressentimentos etc.

Já o Que Horas Ela Volta? tenho a impressão de que poderia ter sido o filme da transformação, o filme de certa ascensão social da Era Lula (notar que o Nordeste, de onde vem a menina, é o lugar que mais se desenvolveu nesse período).

Evidentemente quem ascende não é um bando de anjos. Isso é o interessante na menina: ela precisava ser muito segura de si para chegar a um vestibular difícil etc. e tal. Mas esse passo que leva do seguro de si à falta de educação é que me parece fascinante, mesmo porque existe aí certa luta contra a truculência dos senhores da terra.

Enfim, não estou querendo aqui fazer o meu filme no lugar do filme feito, não é isso. Estou observando aspectos que o filme sugere, que parece propor, mas que acabam meio travados pela figura da patroa (certos excessos a caracterizam como uma simples intolerante; mas não estaria ela lutando pelo seu território, ameaçado pela menina entrona? Não estaria ela percebendo que existe ali, bem mais que intromissão, um desejo de domínio, de poder, ao qual ela precisa se opor (tanto mais que o marido e o filho são dois bocós!)?

Enfim… Só para não deixar o papo morrer…