Marketing ou morte

Por Inácio Araujo

Tudo que se sabe até agora, no lançamento de “Que Horas Ela Volta?” cheira a fracasso.

Como?

Um filme com Regina Casé, com apoio da Globo, etc…

Bem, na primeira semana, teve uma média de 300 espectadores por cópia, informa a Maria do Rosário Caetano.

Média bem baixa.

E, no entanto, ela própria me diz que o filme teve 160 mil espectadores até agora na França, mais 30 mil na Itália, estava sendo lançado na Inglaterra e EUA.

Em todos esses lugares, a recepção crítica teria sido ótima.

Pois bem: algo disso foi visto em algum tipo de publicidade?

Bem, digamos que o objetivo do filme não fosse cortejar o público para quem algo feito no Brasil (filmes em especial) só tem valor se admirado no exterior.

Mas então era para se dirigir a quem?

Me pergunto se houve um planejamento de marketing. Se a Ancine ou o MinC prevêm verbas para estudos de marketing no orçamento dos filmes.

Quer dizer, já sei que não. Que os filmes feitos a poder de editais recebem um tanto para o roteiro, depois para realização, depois para finalização, depois outra migalha para lançamento…

Isso não existe. Não existe mais, em todo caso.

Se você faz um filme atrevelado a um produto da Globo, muito bem: a coisa anda por si só. Basta dizer “Os Normais” e a fila já vai se formando.

Ok. Mas: e se for algo diferente?

Com quem esse filme da Anna Muylaert pretende dialogar? Por quem pretende ser visto?

A função do marketing é descobrir isso.

Aqui no Brasil criou-se uma imagem bem horrível dessa função, por causa da política.

O marketing seria uma arte de enganar, confundindo-se com a publicidade e tal.

Eu lembro um efeito oposto, de marketing bem-sucedido.

Quando o Corinthians foi à Segunda Divisão, um gigantesco trabalho de marketing foi desenvolvido. O que pensava?

Com quem contar nessa hora ruim.

Com o torcedor, claro. O torcedor já por si fanático. Será que ele abandonaria o time na hora da desgraça?

Foi daí que surgiu o slogan “Eu nunca vou te abandonar”. Bela convocação da torcida à comunhão na hora da desgraça.

Bem, o time voltou à primeira divisão e até hoje se beneficia do reforço dado à ideia de fidelidade nas relações entre o time e a torcida (esta vê com orgulho o que outros veriam como fanatismo ou doença maníaca, quer dizer, uma identificação fortíssima com o time, na vitória ou na derrota).

Ora, outros times vêm o marketing como um modo de vender camisas e fazer uns trocados. Não é isso.

Com o cinema, a mesma coisa.

A quem interessa o filme, a partir de suas características estéticas, dramáticas, etc.?

Como delimitar esse espectador e interessá-lo?

Daí por diante entram em cena a publicidade (trailer, outdoors, chamadas etc.).

Sem isso vai ficar muito difícil.

Lamento dizer: o empirismo, a intuição brilhante, não têm mais peso. Muito raramente apenas.

Vou dar um exemplo, e estou chutando o que julgo ser um trabalho brilhante de marketing sobre um filme.

Antes de estourar como grande sucesso, “Tropa de Elite” teria sido um grande sucesso de vendas como disco pirata.

Os números falados eram coisa de 1 milhão, 1,5 milhão de discos… Esses números vazavam. Como se sabia? Como saber quantos DVDs foram vendidos nas bancas pirata?

Não dá. A menos que seja você mesmo o pirata, não há como saber. Mas o número era sussurrado a boca pequena a respeito de um filme que ninguém sabia o que era, exceto que saía totalmente dos parâmetros do filme brasileiro habitual.

Se não foi marketing, bem, devia ter sido. Estou convencido de que foi. Quando o filme chegou aos cinemas todo mundo, o mundo brasileiro inteiro, queria saber que diabo era isso.

Resumindo: está muito bem esse trabalho quase assistencial de permitir às pessoas fazer filmes.

Eu não digo quase assistencial para diminuí-lo, não. É preciso que se façam filmes e que haja meios para tal. Que não seja só “o mercado” a decidir o que se fará ou não.

Mas não creio que seja consequente não cuidar com idêntico cuidado, ou até mais, das estratégias de lançamento do filme. Sem isso teremos para sempre esse monte de filmes (não raro interessantes ou mesmo muito bons) com 8. 10. 20 mil espectadores.

Filmes não são feitos para isso.