Os desindependentes

Por Inácio Araujo

Não é para me gabar – não mesmo. Isso que Richard Peña, o ex-curador do Festival de Nova York diz na Ilustrada de domingo não é nenhuma novidade.

A menos que se usem os antolhos, era fácil ver que o cinema dito independente americano teve um momento, ainda no fim do século passado: era algo que se opunha à estética das grandes produções etc. O que apareceu sobretudo em Sundance.

Mas logo isso se tornou uma espécie de tique, com filmes muito parecidos e, como diz o curador, constituindo muito menos uma proposta ética ou estética do que uma espécie de vestibular para trabalhar em Hollywood.

Pode haver uma exceção ou outra, mas ninguém duvide: é um braço do sistema hollywoodiano o que funciona ali.

Quanto ao que ele diz de nós, aqueles filmes que mais prezamos, que foram os maiores sucessos feitos no Brasil neste século, como “Tropa de Elite” ou “surgido neste século 21, de filmes como “Tropa de Elite” ou “Cidade de Deus” não apresentam nenhuma novidade estética.

É preciso considerar, no entanto, que nem tudo nesta vida é novidade estética. Filmes como esses constituíram uma atualização do cinema feito no Brasil em relação a certas aspirações do público: havia produção, havia atores, parecia com filmes americanos, mas traziam algo de específico, questões que já apontavam para preocupações de uma parte relevante do público brasileiro.

A saber: corrupção policial, corrupção em geral, vínculo de crime com favela, etc. A maior parte dessas preocupações está ligada a uma expansão louca dos meios de comunicação, que tornam coisas como os crimes muito mais visíveis, palpáveis, sensíveis. Quer dizer, quando vemos a notícia de uma bala perdida que matou alguém, nos imaginamos, a nós, a algum parente, na pele, a possibilidade disso acontecer conosco (vale para assaltos, estupros, estupidez generalizada, etc.).

Num país desigual como somos, com buracos insustentáveis do ponto de vista educacional, as equações talvez não sejam tão complicadas. Um garoto pobre pode muito bem optar por entrar para algum ramo criminal, na medida em que não se abrem perspectivas para ele. Um policial pode muito bem aceitar suborno ou se tornar miliciano: a propina e a extorsão são maneiras, afinal, de conjurar o medo de um futuro incerto, Isso se torna um sistema.

De certo modo isso também afeta e o restante dos negócios, ou boa parte deles. Nossa cultura não é individualista: é do salve-se quem puder. Se não há vaga na rua, vamos para a fila dupla e pronto. Se a escola pública é vergonhosa, não vamos reclamar, não protestamos, nada: fazemos um esforço supremo e botamos os filhos na escola particular e pau na máquina. Quem não conseguir que se azare. E assim seguimos.

Esses filmes têm muito a ver com esse tipo de sentimento, com o policialismo também, que vem junto com tudo isso: um desejo de controle por alguma instituição que nos transmita a ideia de ordenação em meio a esse caos. Pois todos se sentem, no fim, desprotegidos: os cidadãos comuns, os criminosos, os policiais e até os Datenas.

Para resumir: não há como esperar um grande cinema de uma sociedade que se constitui desse jeito. Aliás, francamente, não dá para esperar grande nada.

Claro, o curador conhece de nossos filmes a amostragem que deve ter recebido em Nova York ou visto aqui e ali. Não é tudo, claro. Mas os filmes mais ambiciosos permanecerão sempre uma minoria (o que é universal).

Quanto a dizer que perdemos a onda latina… com todo respeito, isso não quer dizer nada.