Se há uma coisa que funcionou em “Que Horas Ela Volta?” é o encontro dos estilos de Regina Casé, expansivo, e Anna Muylaert, todo feito de contenções.
Me parece que o filme também funciona muito bem até determinado ponto. Por exemplo, ao explorar os mesmos temas que sempre foram caros à autora: a casa, as relações de subordinação tipo patroa-empregada, o abandono, esses seres meio mortos-vivos…
E quero dar um exemplo bem claro do que vejo de feliz no filme: Casé quer comunicar algo importante à patroa. Esta caminha numa esteira e, aparentemente, ouve música. Ela não se digna a escutar o que a empregada tem a dizer. Vai concordando, vai dando bom fim de semana etc. Porque patroas acreditam ser amigas das empregadas, mas não as escutam, desconhecem seus problemas etc.
A patroa não é má, não se esforça para fazer assim, nada. A partir da entrada da menina em cena, porém, algo me incomoda. Primeiro, a patroa transita da “amizade” inconsciente para uma resistência bem consciente à presença da menina.
Certa repulsa pela presença da garota se manifesta desde que ela faz um suco para a garota.
Por que ela faz? Não entendi. Uma madame daquelas… Tanto mais que a menina não é que adote uma posição de familiaridade: com o perdão da palavra, se mostra francamente mal educada (como aliás é bem frequente entre os jovens mimados, pobres, ricos, o que seja).
Então entramos de novo na luta casa grande vs. senzala. A menina cai na piscina, dá rolo. O marido meio morto vira um sátiro amador. Etc.
É sobretudo a promoção da patroa a uma vilã nem tão sutil assim que sinto destoar do que há de mais interessante no cinema de Muylaert: as pessoas não são más, nem perversas. São o que são.
Mais ou menos as mesmas coisas poderiam ser desenvolvidas sem sair do trilho habitual de Muylaert.
Estou falando, claro, de uma das melhores diretoras do cinema brasileiro na atualidade.
E colocar certas coisas em questão não significa, de modo algum diminuir seu talento.
A questão: essas concessões a um gosto mais novelístico (o rico mau, o pobre bom e inteligente e tal), à convenção, vai render um bom público?
Acho que essa é uma questão importante para Anna.