Sim, é verdade, existe uma ponta de nostalgia em “O Último Cine Drive-in”. Um quê de Cinema Paradiso, com essa atmosfera de fim de era. Também pelo título lembra A Última Sessão de Cinema.
Me parece, no entanto, que isso não é essencial no filme de Iberê Carvalho, filme de estreia, diga-se.
Existe ali uma mãe gravemente doente, um filho que vem de longe para visitá-la, o Almeida, dono do cinema e pai do rapaz, mais a jovem projecionista.
A doença da mãe evoca a hipótese da morte, do fim. Ela rebate no cinema moribundo. E no próprio Almeida, uma espécie de ser mineral, imóvel, incapaz de aceitar a passagem do tempo.
Tudo isso conduz à ideia de morte.
Do outro lado está o rapaz, o filho, procurando ligar os pontos de um jogo de dispersão e trazendo vitalidade à trama.
Ligar os pontos: eis um aspecto central de qualquer ficção.
Como fazê-lo?
O filme repousa, em grande medida, sobre a capacidade de intrigar o espectador: quem são esses personagens, por que estão aí, aonde pretendem chegar? Etc.
Exemplo: a primeira cena. Temos o rapaz tentando entrar num hospital, argumentando, discutindo, tentando passar sobre os seguranças, sendo retirado de lá pela polícia e depois acordando no que parece ser um terreno baldio.
Quem é esse rapaz? – perguntamos. O que faz ali? Por que acorda no terreno baldio? É um maluco? Um vagabundo? Ladrão de hospitais? Uma visita?
Ao ser despertado, no terreno baldio, que na verdade é o terreno do cinema, ele pergunta pelo Almeida.
Mas quem é o Almeida?
E por aí vamos.
Temos, enfim, uma narrativa moderna, capaz de prender nossa atenção, de trabalhar nos interstícios, de usar o vazio dos personagens ou das situações e, com isso, despertar o interesse do espectador.
(Eu quase digo mesmo “despertar”, só, de tanto que tantos filmes deste ano me deixam com sono).
O que vem depois cada um verá.
E verá bem: eis um filme bem enquadrado, fluente, segura. Uma estreia notável.
(Escrevo sobre isso ao André Luiz Oliveira e ele lembra que Iberê trabalhou com ele, depois se perderam de vista – como os tipos do filme, parece).
Se penso nos filmes brasileiros que vi este ano, “Drive-in” me parece o melhor.
E faz lembrar que se pode fazer cinema bom, não alienado, passando a quilômetros da luta de classes.
Ao mesmo tempo, penso que neste ano tão fraco para o cinema em geral os brasileiros vão se afirmando: há gente em Pernambuco, mas também no Rio, em São Paulo, em Porto Alegre, algo pinta em Belo Horizonte…
(E este filme vem de Brasília, uma surpresa – Brasília é um pouco como São Paulo: o cinema repousa em grande medida sobre o mito da cidade – enquanto a gente dorme).
É uma lástima que esse vigor não encontre, ao menos por ora, correspondência no público, tão viciado em coisas da Globo, tão bitolado por elas.
Outro vício nosso é, justamente, só acreditar nas coisas depois que têm reconhecimento no exterior. E hoje em dia “exterior” é o outro nome do Oscar.
Bem, azar… Quem sabe aos poucos os filmes vão embalando o espectador, ele vá aos poucos se vendo neles e não nas comédias ordinárias que a Globofilmes propõe (e propagandeia).
Veremos. Mas ver o cinema retomar o vigor é muito interessante. Até porque as coisas vão bem mal em outros lados do mundo.