Ah, adoro os especialistas.
Eles parecem estar por toda parte.
Me lembram os “profissionais da profissão” de que Godard falava.
São os “especialistas do especialismo”.
Palpitam.
Um deles, especialista em mobilidade, condena a ciclovia sob o Minhocão porque “ali, nas colunas, um não vê o outro”.
Deixa eu tentar entender: a ciclovia é nos baixos do Minhocão. O Minhocão é suspenso por colunas. As colunas impedem a visibilidade de quem está do outro lado.
Ok. Mas o mesmo se pode dizer das esquinas, por exemplo. Elas impedem o motorista de ver com clareza o que existe na transversal. Pode ser um carro, pode ser um pedestre. Sobretudo se o motorista não tiver cuidado, claro.
Passemos pelo fato de que o ciclista diz ter atropelado a pessoa fora da ciclovia…
Os pontos cegos são o problema levantado.
Esse problema só existe, naturalmente, para os especialistas do governo Haddad.
Não me lembro desse especialista em mobilidade se referindo ao perigo representado pelas esquinas: quantas pessoas morrem nelas anualmente, afinal.
Será que o ideal seria suprimi-las?
Ah, se fosse o Haddad a ter inventado a esquina, ela estaria ameaçada pelos “especialistas”.
Também não me lembro desse especialista se referindo à imobilidade a que são condenados os usuários da estação Consolação do Metrô, que certamente é a mais mal concebida do mundo (só tem um túnel para ida e vinda das pessoas, ali só caberiam as pessoas que vão ou as que vêm).
Ah, se fosse o Haddad a projetar o Metrô, seria condenável por cada cara que vai de pé (pois pode cair se se distrair e até morrer, conforme o lugar em que bater durante a queda).
E por aí vamos.
Mas voltemos ao “especialista”, já que houve outro acidente.
Um motorista de ônibus invadiu a ciclovia e matou um menino que andava de bicicleta.
Nesse caso, nosso especialista é taxativo:
A ciclovia, diz, “deveria ser segregada fisicamente, pois está no meio da via, ou não deveria existir”.
Bingo. A segunda opção é, certamente, a mais segura: você pode andar de bicicleta por ali tranquilamente que, se for abalroado por um ônibus, a culpa não será da ciclovia, já que ela não existirá.
Quanto à primeira, a da segregação, é interessante e pode dar resultados bastante férteis.
Por exemplo: quando carros invadem calçadas e matam as pessoas, o que é bem frequente, aliás, podemos enfim postular que o melhor é que não existam calçadas.
Sem calçadas nunca seremos assassinados por carros em calçadas. E, melhor ainda, nem haverá ladrões ou assassinos circulando por elas. E nem mesmo bicicletas.
Dito isto, devo dizer que não sou pessoa de viver muito no exterior, mas já estive em Rotterdam e Amsterdam. Ali as bicicletas ocupam ciclovias no meio das calçadas e nós, pedestres, temos de nos desviar delas e atravessar quando vemos que não há bicicletas.
Idem em Bolonha. Confesso, não me lembro como a coisa se dá em outras cidades.
Não sei se são cidades de qualidade de vida e planejamento impecáveis, como SP, cujo funcionamento só o prefeito Haddad vem estragar…
Agora, falando sério: – Vamos parar de inventar problemas onde eles não existem. E nem confundir incômodos pessoais com “falta de planejamento”, o que é uma especialidade dos especialistas. E nem inventar falsos problemas, até porque um dos inconvenientes dos falsos problemas é que engendram falsas soluções, como bem nos lembra Jorge Luis Borges (num artigo, aliás, em que ataca um especialista).