Flip – o retorno

Por Inácio Araujo

O homem que passou um pouco ao longe me pareceu o Ignacio de Loyola Brandão. Seria mesmo? Passou sozinho, como quem não faz parte dessa história.

Em Paraty também estava o Padura, é verdade. Discreto, mas sempre badalado. Mas por que é escritor ou por que é cubano?

Havia outros, claro, mas, no geral, no que é uma festa dita “literária”, a Flip, a ficção parecia uma penetra. Falavam universitários, músicos, filósofos, sociólogos, historiadores, cartunistas.

Evidentemente, nada disso está deslocado. A ficção é que está.

Resolvi falar disso na Casa Folha. Resolvi no dia mesmo da fala, no sábado, logo que acordei. Pensei antes em fazer bonitas aproximações e distanciamentos entre literatura e cinema etc. Mas a verdade é que ambos, nos últimos tempos, me parecem na tanga.

Quer dizer, entendo bem a Flip de passar um tanto ao largo da ficção. Os leitores ainda acreditam na ficção? Cada vez menos. Preferimos ler biografias. Ou histórias “baseadas em fatos reais”. Algo que traga um selo de “verdade” (ao menos na base…).

Em outros tempos as coisas se passavam de outra maneira. Será que alguém se preocupa em saber se Emma Bovary ou Anna Karenina existiram? Não faz diferença, porque o leitor se reconhece nelas e em tantos outros personagens, até em Joseph K., que nem nome tinha, mas cujo K talvez já indicasse uma proximidade autobiográfica com o autor, assim como o narrador de Proust ou o Bardamu de Céline.

Talvez.

O fato é que a ficção não parece oferecer, hoje, interpretações tão convincentes do mundo quanto as ciências sociais. O Alcir Pécora já havia mencionado essa tendência a substituir a literatura pela teoria literária. No entanto, o que será da teoria literária sem literatura?

Vi isso acontecer com o cinema: lá pelos anos 1970 a teoria foi para um lado que nada tinha a ver com o que aparecia nas telas. Não sei se o cinema se beneficiou muito desse afastamento: a teoria é feita em grande parte de dúvida, enquanto a ficção tende a ser mais assertiva.

De todo modo, me parece que essa é uma questão para os ficcionistas contemporâneos. O romance burguês já deu o que tinha que dar. Que respostas se podem desenvolver agora?

Eu publiquei “Urgentes Preparativos para o Fim do Mundo” pensando um pouco nisso. Por que buscar o verossímil? Qual o sentido disso? Alguém disse que havia contos de “ficção científica” ali. Não! Havia um conto de ficção anticientífica, vamos dizer assim. Claro, existe uma remissão ao futuro, mas nenhuma ambição de prever o futuro ou de buscar entender a ciência contemporânea para projetá-la para dentro um século ou dois. Quem gosta disso são comentaristas científicos!

(Sim, há ciência bastante ali, mas ela vem da psicanálise, de um livro completamente tantã de Ferenczi, chamado Thalassa).

Mas tentei, e talvez isso possa ser um caminho, trabalhar temas como o tempo (alongado ou contraído absurdamente), a impossibilidade da informação, a nossa pequenez, o descompasso entre desejos e realizações, etc. Quase todas as histórias são faladas (ou narradas) por pessoas que tentam compreender a própria história, uma história que lhes escapa por razões diversas. Histórias em que intervêm o absurdo, o fantástico, o fantasmagórico.

Não quero pretender que esses espectros sejam a salvação da ficção mundial: são os meus espectros, só isso. Mas tenho a impressão de que a ficção hoje talvez precise mesmo se afirmar como tal, buscar explicações para o presente.

Por fim, e já que estou pensando nessas coisas, tenho a impressão de que existe aí um caso de informação, quer dizer: o que pode ser essencial na narrativa, quando o mundo está abarrotado de histórias, quando cada blog tem sua ficção, seu autobiógrafo, etc.,e são coisas que podem ser muito interessantes.

Mas a ficção precisa estar além do interessante.

É isso que quebra as pernas.
Eu, por exemplo, saio de minha casa pintando, com livros por todos os chãos, cantos e banheiros, para ir ao cinema.

Ao cinema: o lugar físico que não é aqui. Não o filme. Filme não tem nada interessante para ver que eu não tenha visto.