Campos da Memória

Por Inácio Araujo

arcos1x

Quero falar do CineOP. Por algumas razões pessoais e outras objetivas.

Pessoal é a oportunidade de rever caras pessoas que há muito me escapavam, como Zé Geraldo, João Carlos Rodrigues, Marcus Mello, Hernani, Luciana, Geraldo Veloso, Cleber – e o nome deles fica valendo pelo de várias outras.

E há também as pessoas que conheci desta vez, como o tão afável Joel Zito Araújo, como Rafael Luna Freire.

Por vezes nos encontramos num almoço e pudemos falar. Por vezes apenas cruzamos, damos um alô, ficamos de nos falar, não nos falamos.

Mas, todas essas caras, esses gestos, a reflexão que fazem, os filmes que mostram ou descobrem, tudo isso constitui esse território da memória de que Ouro Preto parece ser mesmo a capital.

Campos de Censura

Era disso, claro, que queria falar agora.

O ponto era o negro. Homenagens a Milton Gonçalves, Antonio Pitanga. Enormemente merecidas.

Mas quem é o negro? Como se vê?Quem o vê?

O tema era “O Negro em Movimento”.

Não poderia ser mais a calhar. Há pouco um debate no Itaú Cultural deu ideia do tamanho da encrenca.

De repente, uma blogueira negra, Stephanie, levantou-se contra uma peça de teatro em que um branco fazia o papel de negro.

Eliane Brum faz um magnífico apanhado do debate gerado a partir disso (no site El País – Brasil).

Um debate com argumentos muito bons, de parte a parte: interditar uma peça seja por que razão seja não será censura? Mas, se isso ofende a alguém, a uma categoria enorme de pessoas (os negros) isso não seria razão suficiente para tirar a peça de cartaz?

Bem, vale a pena ler o artigo, inteirar-se da discussão: a escravatura mal abolida, a dívida do branco em relação ao negro, tudo isso é que está em questão.

Mas o que eu dizia mesmo é que, voltando do aeroporto, topei com um grafite que deu um bafafá em São Paulo (ah, São Paulo… sempre ela), meses atrás.

Um grafiteiro pintou um rosto que alguém identificou como sendo do Chavez, o venezuelano.

O circo foi armado em torno desse tipo de livre associação em voga: o prefeito mandou pintar o muro; o artista pintou o Chavez, logo: o prefeito promove o Chavez e suja a cidade, aquele local tão tradicional, aquele viaduto e tal (quando o Janio descobriu o viaduto todo mundo era contra a demolição das casas que estavam sobre ele…).

O rapaz disse que não era o Chavez. Que quis pintar o rosto de um negro.

Para resumir: agora está lá o rosto, mas com uma tarja preta sobre os olhos.

É estranho: se alguém busca tirar de cartaz uma peça porque acha ofensiva, todo mundo (eu, inclusive, a princípio) defende a livre expressão, essa história toda.

Quando é um rosto que pode ser o do finado presidente da Venezuela, não me lembro de ninguém (eu, inclusive) que defendesse o direito à famosa livre expressão das ideias, ainda que diferentes das minhas.

No caso do Chavez isso não vale.

Por quê?

Se o cara quer desenhar o Chavez é um subversivo.

Essa é a ideia geral: a livre expressão defenderemos até a morte, desde que seja a minha livre expressão.

A do outro não pode.

Produzimos um amor à democracia infinito e seletivo.

Ah, visite São Paulo: onde a guerra fria não acabou.