Se há uma coisa perigosa no mundo, pior que a bomba atômica, é a interatividade.
Menos por ela em si do que pelo que tem de intimidante. Todos nos sentimos na obrigação de ser interativos, de aceitar o diálogo amplo e blábláblá.
O auge disso eu vejo no Guia da Folha, onde duas pessoas reclamam da exposição Miró.
Um deles diz que é o pior pintor do mundo.
A outra diz que fazia muitos daqueles quadros… na infância.
No entanto, esse pior pintor do mundo goza de uma reputação enorme entre os pintores do século 20.
Diante disso, o espectador tem duas respostas possíveis: a) entender que toda a crítica e história da arte são uma farsa empenhada em difundir falsos valores; b) buscar saber por que se chegou a uma espécie de consenso entre pessoas que conhecem o assunto a respeito pintor espanhol.
O segundo caminho pode ser, obviamente, um pouco trabalhoso. Supõe ir atrás de informações, buscar até eventuais discordâncias, compará-lo a outros pintores, saber qual o pensamento que orienta esses quadros tão “infantis” e que são, necessariamente, diferentes dos que ela desenvolvia na infância.
É mais ou menos assim que se forma um gosto.
Um gosto que se encontra como diálogo.
Algo diferente do achismo.
Posso dizer que a A ou B é o pior escritor do mundo, ou pianista, ou o que seja, a partir de minha experiência.
Não é difícil dizer se um pintor de paredes é bom ou ruim: partilhamos essa experiência, verificamos a limpeza do serviço, a continuidade da cor etc.
Já a apreciação de obras de arte exige um pouco mais de nós.
Por isso me parece que o twitter (entre outros), longe de ser um instrumento de interatividade, me parece bem mais um modo de autismo.
Afirmo o que eu acho, minha experiência (ou ausência de) acima de tudo.
Pior, posso partilhar essa inocência com pessoas tão inexperientes ou ignorantes quanto eu e, ao fim desse processo, criaremos um grupo autista capaz de afirmar que o mundo (pelo menos o das artes, ou então: também ele) não passa de uma farsa dominada por forças obscuras.
Quando, então, esse twitter (ou similar) vai a um jornal ou revista, se vê de algum modo autorizado, referendado.
Então, a ignorância se transforma em lei. O conhecimento será pedante, quando não pernicioso. Apenas o senso comum, o “olhar inocente” de quem não frequenta museus e desconhece o século 20, conta. Então, Picasso será um cara que pintou aquilo que pintou porque era incapaz de criar em perspectiva. E por aí vai…
A “interatividade” de certa forma é um outro nome para a preguiça patológica.
Quem acompanhar por alguns segundos os comentários de internet saberá do que falamos.
Porque isso é diferente, por exemplo, das famosas Cartas dos Leitores. Pode-se aceitar ou não o que dizem os missivistas, mas existe ali um esforço de coordenação, de formulação e postulação de ideias que o twitter exclui, com seus famosos 140 toques: basta o fulano despejar sua tempestade cerebral e pronto: está “interagindo”.
Temo que não.