Casa Grande

Por Inácio Araujo

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Gostei bastante de “Casa Grande”.

Digo isso e penso: há muito tempo eu não pensava isso de um diretor carioca com menos de 70 anos. Desde o tempo em que esses mesmos tinham uns 60 ou 50.

Há quanto tempo não tenho ânimo para falar de um filme que vem do Rio.

Ao menos para filmes de ficção.

Achei logo nas primeiras cenas que ali tinha um olho: a chegada dos dois empregados, a maneira como se postam, o silêncio, certa simetria que a disposição das árvores atrás deles favorece… Tudo me pareceu bem inspirado.

Mais tarde, no filme, essa cena voltará, cheia de sentidos, a lembrar que aquilo não foi acaso. Havia um plano. E se não havia, tornou-se.

O filme trabalha muito bem as elipses, o que o torna ágil, por um lado, e por outro evita um monte de cenas convencionais, em que a dramaticidade seria não apenas supérflua como francamente nociva ao filme.

Também me pareceu boa a evolução do enredo, a narração, assim como a direção de atores (o pai está muito bem; a mãe falha diversas vezes).

Exemplo: quando o menino toma o ônibus pela primeira vez. Ao lado dele senta um cara com uma cara diferente. E um mal estar se instala, porque o menino nunca havia visto um cara mais pobre, exceto como “pacificado” (empregada, chofer) ou ameaça.

E é interessante a cena, porque aí ele começa a entrar no mundo, ou ao menos a ter uma chance disso.

Dito isso, não se trata de um filme sem problemas. É normal num filme de estreia, mas repara-se bem.

Se atira bem para o lado de um realismo não naturalista, silencioso, que fala pelas imagens que apresenta, também hesita em vários momentos entre isso e uma representação mais convencional – desse tipo de melodrama gritado, histérico, meio novelão.

O aspecto político é quase sempre supérfluo, já para não dizer ultrapassado. Poderia representar um momento de época, mas está longe de ter esse alcance. Quando os alunos conversam, em aula, com a professora, sobre cotas raciais, está ok. Quando conversam entre si também. Já quando fica aquele papo com os coroas é muito banal. Se era para afirmar a personalidade da namoradinha, foi pouco eficaz. Se era para lançar uma bandeira política do filme, inútil, porque só trava o filme.

Por falar em trava, o filme momentos um tanto travados, que poderiam cair fora. Não são muito, mas são bastante perceptíveis.

O filme parece inseguro em relação a abdicar do melô-novelão, o que prejudica sua tensão. Me parece que o único tempo forte a investir nesse registro seria a cena do falso sequestro. Tenho a impressão de que, se todas as tensões familiares explodissem ali, isso favoreceria o filme enormemente.

Diga-se, a cena não começa nada bem. Os tempos da mãe estão frouxos. Ela só se levanta naquele momento em que os três, pai, mãe, filha, berram ao mesmo tempo. A filha em particular. Isso até o fecho do pai no telefone. Explicar depois porque bateu o telefone era desnecessário e atrapalha a cena.

Idem a hipótese de venda do apartamento: se lançada diretamente pelo amigo acho que teria mais força, a violência seria mais evidente.

Por fim, gosto do final porque entra bem nas limitações do menino (ou da sociedade). Ele vai em busca dos pobres, de certo modo rompe com o mundo dos pais. Mas não é ao outro que busca, o que busca é sua infância, é o espírito da casa grande. A senzala agora transferida para a favela.

Não é uma questão de conformismo, mas de observação de como funciona a sociedade.

Apreensões

Mal acabo de ver o filme e ouço que o diretor, Fellipe Barbosa, já está na mira da Globo.

E aí?

Se isso acontecer, existem duas possibilidades: ou ele oxigena a Globo, pois seu registro narrativo melhor permitiria, ou a Globo o domina e emascula: dá um monte de dinheiro, manda ele fazer novela e pronto.

A segunda hipótese é dramaticamente mais provável, mas não fatal.