Tem LSD na nossa água?

Por Inácio Araujo
charge de Laerte Coutinho
charge de Laerte Coutinho

(ou: Sobre caricaturas)

Ou algo parecido.

Não dá mais para seguir o que as pessoas dizem. O superego é uma instituição falida aqui em SP.

Uma pessoa (acho que uma senhora) escreve à Folha para reclamar da caricatura do Laerte com o Tiradentes e o “Vai pra Cuba!” que alguém diz para ele.

A prova de que a charge é boa são as reações a ela. A favor ou contra: quando uma charge mexe assim com as pessoas é que pegou alguma coisa, algum fenômeno, alguma personagem lá no fundo e a trouxe como um peixe pescado para a superfície.

Bem, então não importa ser contra ou a favor. Importa a explicação.

Segundo essa senhora, Tiradentes hoje estaria lutando pela nossa independência novamente.

Portanto, estaria contra Cuba. Pois o governo nos cobra impostos extorsivos (como a coroa portuguesa no sec. 18) para dar a Cuba!

Cuba que, ipso facto, é como a coroa portuguesa.

Quer dizer: Tiradentes lutaria hoje para nos livrar da ditadura comunista de Cuba e, por extensão, bolivariana, já que Cuba orienta também o boliviarianismo…

E o Brasil está submetido a mais ou menos tudo isso: Cuba, Venezuela, Equador, Bolivia….

Pode-se dizer, sempre ipso facto, que estamos numa ditadura comunista.

É coisa clara como o dia claro, segundo a leitora (acho que é leitora).

Dito isso, é o seguinte:

Eu, que acompanho obsessivamente o estado de nossas represas digo que hoje faltam mais ou menos 90 mi de litros para chegarmos a zero!

Estamos ainda na reserva, bem lá no fundo, diga-se de passagem. E já estamos agindo como se estivesse tudo sob controle. Não está. Seria bom espalhar isso por aí, senão vamos secar tudo e vamos ter de partir de SP em êxodo, talvez para o Nordeste, sei lá, para onde chova.

Mas eu falei do LSD por outro motivo. É que São Paulo entrou em transe delirante. E acredita piamente em seu delírio.

É como as miragens do deserto: o cara vê o que só existe na imaginação.

Digamos que nosso problema está longe de sermos algo parecido com Cuba. É mais a dificuldade de domar um capitalismo extremamente selvagem. Pessoas muito crueis com as outras, as indefesas.

Nosso problema é dar um mínimo de condições de educação e saúde, de felicidade, enfim, à população pobre.

Infelizmente, essas pessoas que protestam não reclamam, nem de longe, da incapacidade do governo de produzir essa felicidade de modo mais estável.

Também não está nem aí para a corrupção, porque todo mundo sabe que a roubalheira existe desde sempre por aqui (e no mundo inteiro, diga-se).

O problema, me parece, e daí tanto empenho em liquidar o governo e o PT, em transformar até seu pálido reformismo em “comunismo”, é que sem ele voltaremos a esmagar os pobres como fazíamos antes, sem nenhuma dor de consciência, sem nem mesmo saber que eles existiam.

Não é o que eles roubam o problema. É que os pobres ficam um pouquinho menos pobres, um pouquinho mais protegidos – e isso nós paulistas julgamos que é comunismo, que é uma afronta aos nossos direitos eternos.

Sim, essa eleição de Cuba como parâmetro seria cômica se não fosse trágica.

Ela significa a caracterização de uma Guerra Fria particular, paulista de coração.

Do outro lado está a miragem dos nossos sonhos, Miami. A outra Cuba! Dessa aspiramos a ser a caricatura.