Sim, um ataque de sinusite me inutilizou por alguns dias. E me impediu de assistir à pilha de filmes bons e/ou interessantes que estão entrando, pois o Oscar de 2015 está bem forte.
Também não falei de certos filmes que já havia comentado na época da mostra, como “Foxcatcher”, que me parece precioso. E também não falei dos que só entraram agora, como “Dois Dias, Uma Noite”, filme dos belgas Dardenne que achei bem mais ou menos, e “Selma”, que achei menos.
Há algo nele que indica cansaço, como se fosse este o último filme de um ciclo, ou talvez esse momento de transição. O filme anterior também tinha um pouco disso, mas com menor intensidade. Não por acaso são filmes comandados por estrelas: da outra vez, Cécile de France; agora, Marion Cotillard.
Eles jogam o filme no rosto de Cottilard e esperam que ela se vire. Pois bem: ela se vira.
No fim, temos um registro da degradação das relações pessoais e, de certa forma, das pessoas, por conta da longa crise europeia. O mais degradante, me pareceu, é o marido da Cotillard.
Com “Selma” o problema é de outra ordem. Não dá para ser contra um filme que combate o racismo, que acompanha um momento crítico da luta de Martin Luther King etc. etc.
Mas há um quê (bota quê nisso) de telefilme nisso tudo. Bons atores e tal, mas o filme não sabe se quer ser épico, dramático, grandioso, intimista. Poderia até visitar vários registros e sair forte. O fato, no entanto, é que estamos face a um filme sem cara.
Ninfomaníaca
O melhor da sinusite, porém, foi rever “Ninfomaníaca – Volume 2”. Lars Von Trier, que é um provocador, chegou logo dizendo que era um pornô. Não é bem isso. É talvez bem o inverso disso. Toda essa parte é dedicada a uma espécie de diálogo filosófico entre a ninfomaníaca (Charlotte Gainsbourg, a magnífica) e o assexuado (Stellan Skarsgard, que também é ótimo).
De tudo, lembrei aquela frase de Antonin Artaud: “Le sexe est sombre”. O sexo é sombrio. Ou o sexo é sombra – como se prefira.
O filme vai no sentido contrário da visão da relação sexual como uma facilidade contemporânea. Aliás, todo o problema da moça é, a rigor, equivalente ao do seu interlocutor: ambos não sentem nada sexualmente.
A diferença é que ele se retira do mundo, covarde que é. Enquanto ela busca, todo o tempo. Busca o quê? Sentir a sexualidade, em parte. Mas, mais do que isso, descobrir no parque que visitava com o pai, qual é a sua árvore.
A imagem, quando ela a encontra, é uma das mais belas do cinema recente: a árvore torta, solitária, vergada pelo vento (mas não derrubada), plantada sobre uma rocha…
Não espanta que mate o interlocutor, o sábio vazio. Nós, que somos parte dessa hipocrisia que ela não suporta, até simpatizamos com o pobre homem. Ela não terá a menor complacência com ele. Por que teria?