Baiano e contemporâneo

Por Inácio Araujo

 

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O nome não me agrada: “Depois da Chuva” me faz lembrar de um filme enjoado chamado “Antes da Chuva”, que passou aqui há uns anos, talvez dez.

O assunto também não: a agonia da ditadura militar é coisa meio batida.

Por último, não gosto muito dessas assinaturas em dupla. Gosto de filmes que marquem uma personalidade. A menos que sejam feitos em dupla mesmo, como os irmãos Renato e Geraldo Santos Pereira. Dizem que eles brigavam o tempo todo. Que um dirigia os planos pares e o outro os ímpares. Daí uns filmes meio disparatados, embora de pessoas bem lúcidas.

Agora, finalmente, existe a moda dos irmãos: Cohen, Farrelly, Dardenne e tal. E gosto dos Wachowski porque um deles fez uma operação e virou mulher.

Enfim, divago.

O fato é que existe uma busca nada frenética, bastante racional no cinema brasileiro atual: buscar o público e ao mesmo tempo respeitá-lo, não tomar o espectador por idiota. Sim, existem muitos que não são, apesar da bilheteria das globochanchadas. E não sei nem mesmo se esse público é idiota: não tem referências, como poderia escolher outra coisa?

Essa busca a gente vê com frequência no cinema de Pernambuco, em São Paulo há os filmes do Caixote (gosto dos curtas de Thiago Mendonça, mas o fato é que não acompanho direito os curtas e que um cineasta se prova no longa, penso eu). E há Minas, com esse pessoal de Contagem, e algo que chega do Sul… Etc.

Não tinha visto nada novo da Bahia. Há o Edgar Navarro, mas, caramba… Não é exatamente uma nova geração.

E agora aparece essa dupla: Cláudio Marques e Marilia Hughes. O tempo dirá quem é quem ou se ambos são. Mas o filme tem a cara de um deles.

Falei de coisas que o filme evoca para mim e de que não gosto, embora sejam extemporâneas. Falemos do que gosto. O rapaz, o protagonista, me lembra muito o jovem ecologista católico que Bresson criou para “O Diabo Provavelmente”. Mas não é um filme bressoniano.

Estamos em 1984, mas sem nenhuma euforia.

Nossos heróis, jovens anarquistas, veem tudo com ceticismo.

O personagem central, acho que é Caio o nome, faz parte de um grupo anarquista. Ao mesmo tempo, cursa relutantemente um colégio em Salvador.

O pessoal tenta trazê-lo à “razão política”, à conquista razoável. Mas ele é refratário a toda abordagem.

Ele se aproxima de uma garota com a qual se identifica.

Quando há um show na escola o pessoal adora a música do Vandré. Ele e sua trupe entram com rock e vestidos de mulher.

Quando há eleições, ele se candidata para combater os oportunistas, os adesistas (esses que, hoje, devem estar em torno do poder ou em busca dele).

Mas não é tanto isso que me seduziu, e sim a maneira como o filme é levado. Primeiro, gosto dos enquadramentos. Da relação entre ambientação e enquadramento. É gente que sabe o que está fazendo e porque está fazendo aquilo.

Gosto do modo narrativo, bem quebrado: não são quebras decorativas, elas é que engrossam a narrativa, vão criando os elos secretos entre as pessoas e as vivências que se oferecem.

Gosto da condução da trama, porque nos traz aqueles seres enfrentando contradições, às voltas com decisões por vezes dramáticas, por esboçar um conflito até entre a razão que nos é oferecida como a mais interessante (a refratária, a íntegra) e a terrível solidão a que ela condena seus adeptos.

Gostei, enfim, de ver o cinema não cheio, mas quase isso: bastante frequentado. O filme se dirige bem a uma geração que viveu 1984 como sua primeira experiência política. Isto é, gente que nasceu por volta de 1968, 70. Que está entre 35 e 50 anos, digamos. Que vai ao cinema e gostará de ver essa experiência revivida. Mas serve também para o pessoal do tempo do Collor… Quer dizer, não é preciso estar atrelado a um momento específico para entrar nos problemas propostos.

E, por fim, meu primeiro livro, “Casa de Meninas” (que antes foi um roteiro) colocava em confronto, justamente, essa geração, e a minha, de 68 e um pouco depois ou antes. Claro, a mim interessava certo esmagamento dessa geração de 82, 84 ou 86 pela de 68. Gostava da inversão 68-86.

Falei, antes, que não gosto muito desses filmes assinados em dupla, nem, para regredir à minha geração, aos “coletivos”. Não são coletivos nada. O Bang Bang do Tonacci lá é coletivo? É o Tonacci. Mas espero que os dois que assinam este filme se afirmem individualmente. Ou, como essas duplas que mencionei acima, tenham um longo e feliz casamento (de ideias, que do resto não sei nada).