Uma das coisas que fazem do cinema uma arte tão particular, e tão fascinante, é que nela o artifício existe para produzir real, em vez de maquiá-lo, ou de produzir efeitos.
Esse é um dos assuntos de que trata Billy Wilder em “Fedora”, seu penúltimo filme. Não dá para explicar muito bem sem passar pela história da grande atriz, Fedora, que vive recolhida numa remota ilha grega.
É preciso ver o filme para não estragar tudo. E depois rever.
Existem vários outros temas embutidos em “Fedora”. Em primeiro lugar, o desejo humano de eternidade (daí ela ter ao seu lado, sempre, um cirurgião plástico), em segundo lugar, ligado a isso, a angústia da perda da beleza por uma atriz belíssima (mas isso vale para todas as mulheres e, no fim, para todo o gênero humano) com o passar do tempo.
Um subplot envolve as transformações do próprio cinema, no que é um toque pessoal muito claro: Wilder tinha dificuldade de produzir numa “nova Hollywood” que buscava novos valores.
Talvez por isso o filme tenha sido maldosamente aproximado de “Crepúsculo dos Deuses”, do qual é o oposto. Ali, um ainda jovem Wilder tratava de uma velha atriz fascinada por si mesma e um tanto decrépita, vivendo num mundo passado. Existe um evidente sarcasmo em relação ao passado: o cinema era o presente, o presente eterno. Voltar-se ao passado, uma bobagem.
A atitude de Fedora é bem outra. Trata-se de uma atriz retirada, que vive cercada por um estranho séquito, do qual é apresentada como refém. Por que não consegue livrar-se deles? Esse é, digamos, o apoio do filme em termos de mistério.
Em termos de desajuste no tempo existe algo significativo: a atração violenta de Fedora por um Michael York ao mesmo tempo real e idealizado.
Uma cena antológica é, justamente, aquela em que, filmando, os dois demonstram sua paixão, num momento em que um continuísta, à la Bressane, bate uma claquete.
Mas o ponto de Wilder, me parece, se mostra mais evidente quando filma um baile, e vemos ao mesmo tempo a filmagem e as luzes e câmeras em movimento: é quando temos o cinema (os atores em ação desempenhando um papel) e o real (o casal que realmente se descobre apaixonado) se encontrando.O Uma obra-prima que, como acontece com frequência com Wilder, passou quase em branco.
O mundo que se faz de ilusão, de espetáculo, sabemos, é um dos pontos centrais da obra do cineasta. Aqui ele atinge seu ápice, pois a verdade do espetáculo e sua mentira se encontram magnificamente na sequência final.
E o fato de Michael York, o Michael York real, depositar um rosa sobre o cadáver branco da mulher morta (que se matou jogando-se sob um trem, como Anna Karenina) de certa forma é o resumo discreto e genial dessa ideia.
Filme a não perder (em DVD).
Fedora – 2
Faltou dizer algo sobre Fedora. É um filme em que a ilusão é central.
Como boa atriz, Fedora constrói uma ilusão. E essa ilusão é Fedora.
Ou ainda: essa ilusão é real.
(Mais não posso dizer, para não atrapalhar a curtição de quem ainda não viu o filme).