“Trinta” é um produto perfeitamente acabado disso que eu chamo de CAL -o cinema alienado brasileiro.
Pois ali Paulo Machline nos fala dos anos 70 (1973,74), período de ditadura, tortura, censura, mas também de crescimento econômico acelerado.
Ainda que se veja o Carnaval como um aspecto imortal e atemporal da cultura brasileira, me espanta um pouco a capacidade com que o filme consegue não articular o que vemos em cena com o seu “hors champ”.
Ou melhor, não há extra-campo. É como se nada existisse fora da epopeia pessoal do maranhense que vence no Rio, que realiza seu sonho de se tornar carnavalesco, após uma batalha pessoal forte.
Não significa, claro, que isso seja falso. A omissão de todo o resto é que é o X da história.
Ela a companha a completa submissão do filme ao sistema de roteiro americano, com seu protagonista, o antagonista (Milhem Cortaz num personagem que se esgota meio logo e depois passa a encher muito mais a gente do que o público), a ruptura com o amigo, a decepção e quase desistência antes do triunfo etc. e tal.
Não existe mise-en-scène, claro: ela é meramente ilustrativa.
“Trinta” não deixa de ser, ao mesmo tempo, uma exaltação do espírito de iniciativa e competitividade que tanto se pede à indústria e à economia brasileira de modo geral. Joãozinho não deixa deserum bastião do empreendedorismo.
O filme se vale, é claro, da aura de inocência do artista: esse ser destacado da vida social, iluminado sabe-se lá por que e de certa forma purificado do nosso mundo de mortais, mesmo quando envolvido com bicheiros (que eram, admita-se, a face benigna dos traficantes atuais).
No entanto, está longe de ser um filme a não ver.
Mesmo comparado a seu modelo americano não faz feio – no momento de filmes repetitivos ao extremo.
É um filme a ser visto, me parece, mas por aspectos como esse.
Podemos compará-lo, de imediato, a esse “Relatos Selvagens” que chega da Argentina e consegue fazer humor ao mesmo tempo em que está todo atravessado pelas inúmeras tensões da sociedade argentina.
Isso é coisa que raramente conseguimos aqui.
Vejo, como norma, os cineastas pernambucanos conseguirem isso com certa regularidade, mas também uma Anna Muylaert, ou ainda o pessoal dos Filmes do Caixote: são os que não romperam relações com as gerações passadas e não se entregaram de mãos e pés atados ao american way of cinema.
*
Talvez alguém se pergunte porque eu botei cotação “bom” na Folha, se vejo esses problemas todos no filme.
Bem, primeiro porque este ano a gente está, como diz o outro, chamando urubu de meu louro.
Segundo, porque me pareceu um filme a ser visto, de todo modo: algo que há muito se esboça, o aparecimento de um pensamento de direita (pensamento estético de direita, quero dizer, no sentido de coisa imitativa visando grande público) aqui no Brasil. A competência que este filme mostra demonstra que ele amadurece.