Em “Jardim Europa” não será fácil notar uma série de defeitos, que vão desde a câmera na mão trepidante em certos momentos, a uma certa pobreza da produção a que se pode atribuir um desenvolvimento por vezes precário dos personagens.
Tudo isso é meio fácil.
Mas tomo uma cena isolada.Um café da manhã.
Uma bela mesa posta, com suco de laranja e tudo mais.
E o espectador imediatamente pergunta: mas quem fez tudo isso?
Porque não vemos um só empregado na casa daquela família falida.
E também não vemos sinal de que alguém da casa tenha produzido aquilo.
Esse mistério da mesa posta encerra as virtudes do filme.
Lá temos os personagens: na família falida, há um candidato a escritor, uma garota que gosta de correr pela vizinhança, uma outra que só pensa em estar longe dos outros e a mãe destituída de sua antiga riqueza.
Além deles temos um livreiro, que delega a arrumação dos livros a um lúmpen completo.
O livreiro tem uma irmã histérica.
Resultado do encontro dessa gente: entre ex-ricos e classe média, somos todos incapazes de pegar no pesado, de executar algum trabalho físico (inclusive fazer o café da manhã).
O único que se dispõe a trabalhar, o lúmpen, é um ser primitivo, ou reduzido a uma condição de sub-humanidade por deficiências diversas.
Essa desconexão entre trabalho e intelecto me parece o coração desse filme que tem uma vitalidade e uma percepção das coisas que eu gostaria de ver com mais freqüência nos filmes brasileiros (e cá entre nós, de uns tempos para cá nos estrangeiros a coisa não anda assim tão melhor).