O médico e o monstro

Por Inácio Araujo

Tudo bem que o dr. Abdelmassih seja preso.

Mas esse fato policial não me interessa além disso que ele é.

O espantoso é como o espírito de polícia disseminou-se na população. Talvez mais aqui em São Paulo do que no resto do mundo, mas tenho a impressão de que o mundo também não vai lá muito bem.

Pois bem: ao chegar ao São Paulo, preso, ele foi recebido com esses gritos vingativos agora habituais: safado, bandido, maníaco.

Bem, um cara que, tendo o poder médico na mão, tendo as clientes em estado de total dependência, estupra uma quantidade absurda delas… A palavra maníaco talvez não seja tão inexata.

Mas não existe aí nenhuma tentativa de compreender a patologia envolvendo o médico.

Bata-nos recitar que é um monstro. Fim.

Estamos nos domínios da psiquiatria do século 19, mais ou menos.

Tudo que importa é punir. “Tem que ser punido” como dizia um ex-juiz de futebol comentando arbitragens (juízes de futebol são, com muita freqüência, uma expressão avançado do policialismo).

Como eu disse, não creio que o mundo esteja muito melhor.

Mas o Brasil é particular na estupidez: não nos basta ter uma população carcerária oceânica. Queremos sempre mais presos, por mais tempo.

Como se isso acabasse com a criminalidade!

Mas, quanto mais se prende, mais crimes acontecem.

Parece claro que algo não bate nessa conta.

Mas, que importa: enquanto der para chamar o outro de maníaco, para agredi-lo… tudo bem.

Ah, Freud, ah Rimbaud, quel âme est sans défauts?

Esses que gritavam será que não gostariam de estar no lugar desse estuprador até ontem impune?