Lang e Hitchcock

Por Inácio Araujo

Como vai haver um ciclo Fritz Lang e os organizadores, dois jovens críticos da Contracampo: Calac Nogueira e João Gabriel Paixão me pediram um artigo, mandei algo de urgência, que, espero, sirva para alguma coisa.

Mas agora que o prazo passou e tudo mais, sei que não me saiu da cabeça aquele quase desprezo que Samuel Fuller tinha em relação ao mestre inglês.

Para ele, Hitch fazia filmes leves, de diversão. Lang, sim, era o grande, o diretor, aquele de quem Fuller se orgulhava porque cogitara em adaptar um livro seu.

Claro, Fuller, me parece, exagera.

Mas há uma diferença essencial entre os dois, que favorece a popularidade de Hitchcock: para ele, o filme visa promover o encontro entre o aparente e o essencial, entre o corpo e a alma. Como se algo na nossa vida espiritual devesse ser corrigido. E pudesse ser.

Em suma, Hitchcock era um homem de fé.

Tomemos Fritz Lang. O descompasso entre corpo e espírito é essencial. Não existe ajuste possível, nunca.

Em “M – O Vampiro de Dusseldorf” isso é tão escandaloso que nem vale a pena parar para comentar a respeito. Beckert contém em si duas pessoas, irreconciciláveis para sempre.

E que dizer do prof. Baum, que incorpora o dr. Mabuse? Homem duplo, em que a ciência doentia de Mabuse substitui o conhecimento.

Assim será para sempre. Lang não é um romântico. Suas heroínas não raro são insuportáveis. Isso não favorece a popularidade de ninguém, e sua fama de “decadente” nos EUA vem, me parece, em grande parte disso.

Que dizer de “Suplício de uma Alma”, em que Dana Andrews se duplica em jornalista (no caso, inimigo da pena de morte) e … (bem, não vou dizer aqui: é um filme pouco visto e não quero estragar a surpresa de ninguém, embora existam tantas ali…).

Enfim, de um modo geral entendo o que diz Fuller: o homem de Lang é uma doença. É um cineasta bem mais freudiano que Hitch, que no entanto flertava com Freud, mas não com o que havia de mais radical no seu pensamento.