Como só vi “Praia do Futuro” uma vez, não chego a fazer uma idéia mais definitiva, ou pelo menos mais detida desse filme no mínimo muito interessante.
Ele me ajudou a compreender, isto é certo, o filme anterior do Karim Ainouz, em que uma dentista é abandonada pelo marido sem nenhuma razão plausível (que seja mostrada no filme, claro).
O fulano diz que vai para o Rio Grande do Sul e pede que ela não o siga.
Claro que ela resolve segui-lo. Vai até o aeroporto, mas não chega a embarcar. Fica no Rio. Conhece outras pessoas. Vaga.
O filme é isso, talvez um esboço de Praia do Futuro: uma série de atos que não se completam. Como anéis que não se fecham, círculos que não se completam.
Praia do Futuro é cheio disso.
Há dois amigos em viagem. Quase de volta à Europa, quando um deles morre na perigosa Praia do Futuro, no Ceará.
O salva-vidas, o Wagner Moura, acaba transando com o amigo que não morreu. Um alemão. Isso também se passa de explicação. Por que transam? Porque o outro morreu, talvez. Para consolar o alemão. Porque é homossexual… Enfim… Esse é o fim de um salvamento frustrado.
Ato contínuo, o salva-vidas se vê na Alemanha. O que significa esse exílio? Ele some da família, da profissão, de tudo.
Ele foge de algo ou procura algo? Procura ou acha?
Ele paira em Berlim. Nosso Aquaman a horas tantas trabalha numa estranha tralha subaquática.
Aí chega a Berlim seu irmão. Era um menino, no começo do filme. Agora é um homem feito. Está absolutamente revoltado com o ex-salva-vidas, que o abandonou e à mãe. Um covarde, além de gay.
Ele pega uma das motos do alemão e foge (do quê?). O vemos com uma alemãzinha, a ponto de transar. Ela se chama Dakota. Nome memorável. Na quase transa parece que é preciso afirmar a masculinidade. Mas daí aparece o alemão e acaba com a festa.
Mais um gesto incompleto, entre tantos.
Vou ficar por aqui, mas queria notar apenas as imagens de início e final.
Na primeira, vemos dunas. E aparelhos de captação de energia eólica. O vento que vai e vem. Uma energia que pensa no futuro, mas que também é vaga, meio inconsistente.
Na imagem final vemos duas motos e, diante delas, uma bruma sólida, como uma parede a impedir de ver o que quer que seja, passado ou, sobretudo, futuro.
O que vem adiante? O que veio antes? Essa incompletude é que parece ser o fundamento dos filmes mais recentes do cineasta.
Uma idéia pelo menos bem interessante, que está presente também no Viajo porque Preciso, Volto porque Te Amo.
Mas havia isso também, ao menos esboçado em O Céu de Suely. Suely que vai para o sul, mas retorna. Retorno que não significa um fim de ciclo, mas, me parece, designa uma incompletude do movimento. E a ele se seguem passos ora vazios, ora em falso (a rifa do próprio corpo).
Me parece muito, muito interessante, talvez às vezes um pouco recherché, coisa que era escandalosamente presente no Madame Satã, mas que com o tempo o diretor foi podando.
Aqui tem uma empostação desses “filmes para festival” atuais. Não sei se gosto disso ou não. Precisaria, justamente, ver de novo.