Um povo de linchadores

Por Inácio Araujo

Viramos um povo de linchadores (estou me repetindo).

Aqui nenhum absurdo parece absurdo.

Não mais.

Um cara joga vaso sanitário lá de cima do estádio e arrebenta a cabeça do sujeito em baixo.

Esporte é paixão!

Um outro cara lança no facebook (ou algo assim) que estão sequestrando crianças para rituais macabros.

Junta um retrato falado da bruxa.

Diz que tudo é só um rumor. Mas é para ficar alerta.

As pessoas ficam alertas, com efeito: pegam a primeira que parece com aquele retrato e matam, esfolam, tripudiam, pisam e passam por cima.

Depois, acho, vão pedir desculpas.

São apenas boas pessoas, combatendo o crime.

Ora, isso é coisa insuflada. Ou ninguém pensa nesse imbecil que fica toda tarde na Record, esse dublê mais perverso do cara da Bandeirantes?

Sim, viramos um povo de linchadores.

Mas ninguém se envergonha muito disso.

A vergonha é que o Financial Times falou que há muito ladrão no Rio, que lá não se pode descuidar da bolsa.

Ou seja: é que nem Roma!

A polícia no Rio atira a esmo: como a britânica. O Jean-Charles sabe do que estou falando.

Mas, ai, ai, não temos vergonha do linchamento. Nem da Sheherazade do SBT. A gente tem vergonha que tem fila no terminal de Guarulhos!

Vamos linchar um para resolver isso?

Somos um povo de linchadores sem dor na consciência.

Como disse alguém para o jornal (ou,suspeito, o repórter selecionou essa frase entre mil): o povo faz isso onde não há poder público.

Onde devia estar o poder público? Controlando todos os cretinos que difundem coisas na web?

Ou na casa de cada um que se pareça com o retrato falado que o cara coloca lá?

Estamos no non-sense mais radical, mais total, mais desesperante.

Mas temos vergonha é que falta um vaso sanitário no estádio.

Então tá!