Há algo de muito mágico numa cena inicial de “Cães Errantes”. Algo insuportável.
Num cruzamento movimentado de Taipei, dois homens-cartaz mantêm-se estáticos, como se indiferentes ao vento e à chuva.
Nada têm a fazer que não seja permanecer estáticos, resistir a tudo. Sobreviver.
A cena não me sai da cabeça por duas razões. Primeiro, porque o insuportável deriva, em boa parte, de seu tempo muito particular – são minutos e minutos de câmera parada numa mesma cena. É a resistência ao tempo que parece dar força ao que vemos.
Segundo, porque aquilo esgota o filme e, de certa forma, o condena a manter a mesma tocada. O insuportável, então, irrompe por razões mais triviais – é insuportável acompanhar os “cães errantes”, o trabalhador que nada tem, ao longo de situações e planos que parecem cada vez mais insuportáveis, não pela angústia que inspira aquela cena inicial, mas por puro tédio.
Tsai Ming Liang está, é verdade, na linha de frente de minhas antipatias cinematográficas. Mas “Cães Errantes” me fez lembrar um tanto da videoarte.
O que é videoarte (essa que vemos na Bienal etc.) senão um anel que se repete infinitamente mostrando coisas em geral quase estáticas.
O estatismo dos homens-cartaz no começo do filme não é videoarte: algo se move, ali muito sutilmente, mas se move.
Mas podia muito bem o filme ficar por aí. O que tem a dizer está aí. O resto é complemento. E, de minha parte, sono.