Falei outro dia da geração dos Novíssimos, com quem convivi um pouco, com quem às vezes gostaria de ter convivido um pouco mais.
Eles tomaram muito do surrealismo, do desprezo à obra de arte como tal, e apreço à sua interferência na vida.
Daí o desgosto do Roberto Piva, pouco antes de morrer, quando dizia: “Não sobrou nada! Nada.” O Piva morava num prédio na rua onde fica aquele bar Biroska. E depois a dona dele, a filha do Nelson Gonçalves, expandiu os negócios por todo o quarteirão. O horror!
Mas esse é um fenômeno localizado, ainda que detestável (já falei sobre ele em algum post no tempo do UOL), até insuportável.
O que eu tentava dizer, e acho que comecei outro dia, é que a cidade há 50 ou 60 anos atrás abria-se ainda à utopia libertária. Deviam desconfiar que isso não é possível num lugar conservador como o Brasil, como São Paulo ainda mais.
Com todos os problemas que já tinha, havia ali um eixo: Ipiranga com São João.
Um eixo poético, como já se deduz da música do Vanzolini e depois da do Caetano.
Esse eixo morreu e foi levando tudo o mais junto.
O que o matou foi a construção do Minhocão.
Uma mancha da ditadura em São Paulo. O Maluf que fez. E para puxar o saco logo lhe deu o nome de Elevado Costa e Silva.
Ninguém usa. A designação que colou diz respeito à monstruosidade que é esse elevado.
Houve corrupção? Ninguém duvida, mas isso não se prova, porque era um tempo em que ninguém tratava dessas coisas, seja por censura seja por medo ou lá o que for.
Mas não foi a corrupção que fez o Minhocão. Foi uma concepção de engenheiro (há outras concepções de engenheiro, diga-se, até opostas a essa): construir, construir, andar, passar, locomover…
E o centro deslocou-se para a av. Paulista. E depois criaram-se outros centros: a Faria Lima, agora a Berrini. Tudo isso com a mão do Maluf, diga-se.
Esses muitos centros criaram uma cidade acêntrica. E sem identidade.
Não é errado dizer que existem várias cidades em São Paulo. Mas qual delas é a real? A que conta?
A da Biblioteca, do Estadão, da Cinelândia, do Municipal?
Não. Nessa cidade antiga, a Bolsa e os bancos ficavam do outro lado. Eram o “centro velho”.
O “centro novo” era da vida e da cultura. Das livrarias, das conversas.
Criou-se um lugar sem identidade, com um centro fantasma.
Essa foi uma perda brutal. A da possibilidade da utopia.
Ali acabou a liberdade. Muito mais que a censura, muito mais que a tortura, isso foi determinante, porque atingiu o coração mesmo da cidade.
Recuperou-se a democracia, as eleições e tal. Mas São Paulo continua uma cidade sem centro, e por conseguinte sem norte.