Há ao menos dois equívocos fundamentais em “Alemão”.
O primeiro diz respeito ao roteiro. E, com as devidas desculpas, é preciso contar um pouco do que acontece no final. Então, quem não quiser saber, por favor, pule o parágrafo: tudo gira em torno de um trabalho de informação que precede a invasão do Morro do Alemão por tropas tanto do governo federal como estadual do RJ. Ora, veremos que a invasão ocorre, mas nenhuma informação essencial recolhida pelo grupo chega a quem deve chegar. Então, pombas, a gente pergunta ao final: qual a grande informação que eles tinham recolhido e que era tão dispensável, já que a invasão ocorreu de todo jeito? Em suma, faltou um mcguffin para dar sentido à história.
A segunda questão diz respeito à mise-em-scène, e aqui já vou dando razão a quem não gostou do que eu falei do Robocop do José Padilha.
O que eu quis dizer sobre o Robocop: ao Padilha falta (ainda?) um pouco de senso de humor, de jogo de cintura, de fazer o filme fluir, de permitir que escape ao seu ideário, de ser ficção, enfim.
Bem, perto do “Alemão” o “Robocop” é quase uma comédia.
Faltou ao Belmonte aqui desenvolver uma arte da modulação: o soltar e prender a tensão, o variar tudo com uma tocada de humor. Se cinema é encontrar a distância certa, como disse Godard uma vez, o Belmonte precisa ter certo cuidado com isso: o uso e abuso dos planos fechados e fechadíssimos, num filme que se passa basicamente num ambiente só não cria tensão, mas monotonia numa situação que é já de princípio tensa. Parece que a direção não acreditava muito que a coisa já era tensa e sentia necessidade de tensionar ainda mais. As situações dramáticas são inúmeras. Podia soltar a corda um pouco mais.
O personagem do Milhem Cortaz, por exemplo, me parece que a intenção era fazê-lo tenso, destemperado e, claro, autoritário. Quase demente. Mas o que resulta é um chato de galocha, de tal forma esses traços são carregados, sem nada que os contrabalance.
Bem, não vou enumerar os problemas que o filme apresenta, mas tenho a impressão de que decorrem sobretudo desses problemas de estruturação do roteiro e da mise-em-scène.
E o papel do Fagundes é de doer de ruim um pouco como decorrência disso. Parece que havia a percepção de que o argumento do filme era bom para um thriller, mas ou se imaginou que um thriller era pouco, ou o Belmonte sentiu, o que me parece mais plausível, que ali havia furos insolúveis no roteiro.
Então o melodrama familiar. A história do romance do informante com a irmã de um traficante, a entrada em cena da ex do Cauã Reymond, a questão familiar do chefe de polícia com o filho, enfim, o lado melo entrou para garantir os furos do outro lado.
Mas me parece que, em vez de tapá-los apenas abriu buracos novos. Ali entra a questão dos inúmeros lugares comuns em que o filme acaba incorrendo. O encontro do chefe de polícia com um informante na igreja é barra. Eles se escondem bem ali dentro, disfarçadinhos, e depois saem na rua quebrando o pau!
Enfim, não faltam também cenas boas no filme, e elas deixam bem perceber o quanto o filme poderia ter sido mais pensado. Como está, parece que elas são o ocasional em uma estrutura que não se aguenta.