Passei o Carnaval em Cataguases. Não para descansar. Como júri. Não das escolas de samba locais, mas o de seleção para o Cineport que acontece entre 4 e 13 abril em João Pessoa, Paraíba.
E por que Cataguases? Bem, isso fica para outra vez. Mas basta dar uma olhadinha nesse monumento a Humberto Mauro feito por Amílcar de Castro.
Que cidade do interior tem outro igual? Aliás, para ser bem franco, que capital?
Cataguases é surpreendente. De lá veio a revista Verde, de lá veio o ciclo dos primeiros filmes de Mauro. E lá ainda existe uma arquitetura modernista surpreendente (incluindo o primeiro Niemeyer).
Por que isso acontece lá?
Fica para o futuro também.
O fato: trabalhei que nem maluco vendo os filmes portugueses e africanos propostos pelos curadores. Enquanto isso, eles viam os filmes propostos pela curadoria de cá.
Do Brasil éramos eu, o Pedro Butcher e o curador-geral, o Fabio Andrade.
Depois, comparávamos as propostas dos três grupos para fechar em uns tantos filmes de 2013.
Não sei se tenho autorização para dizer quais são os vencedores, mas posso adiantar que a escolha fugiu bem ao rame-rame. Estarão lá “O Que Se Move”, do Caetano Gotardo, que ninguém quase viu (e os portugueses adoraram), o “Educação Sentimental”, do Bressane, o “Tabu”, do Miguel Gomes, “O Som ao Redor”, claro, entre outros.
Mas não é nenhum desses filmes que me vem à cabeça agora, e sim o moçambicano “A Virgem Margarida”. Um filme narrativo com bom argumento, realização modesta e um assunto delicado, que lembra “A Imagem que Falta”.
É o seguinte. Após a independência de Moçambique, o Samora Machel resolve que não haverá mais uma série de coisas no país, inclusive prostituição. Passamos daí a uma rua de night clubs, onde a polícia arrebanha mulheres que trabalham por lá. São prostitutas, mas também dançarinas. Ou alguém como Margarida, que estava por lá atrás de um vestido de noiva ou coisa assim. Era virgem. Mas quem estava sem documento ia de cambulhada.
Daí passamos ao campo de reeducação. Não é como no Camboja, onde os “reeducandos” eram vistos como inimigos e onde se pretendia criar uma civilização a partir da idade da pedra lascada.
Não havia esse grau de loucura ou agressividade. Mas não era sopa, também. Tudo começa por uma crença absoluta nos próprios valores (por que não podia ter prostituição?), num moralismo feroz (a suposição de que a sexualidade é uma invenção imperialista) e, em especial, numa desmedida crença na pedagogia.
E que mania, essa, de reeducar as pessoas! De transformá-las em bons comunistas! Por que transformar prostitutas em camponeses? Havia falta de camponeses por lá? Elas eram vistas como meros parasitas?
Bem, não importa. Vendo o filme será possível conferir isso.
Moçambique sobreviveu a essas besteiras, afinal: isso não era o centro do que houve por lá.
O destino das mulheres é uma outra história, não menos relevante.
Fala da ideia de tirania. Da loucura da tirania, das crenças desmedidas.
Existem na esquerda e na direita. Não veem o outro como iguais, mas como coisas.
Por isso peço por empréstimo para este post o título do último, assombroso filme de Jean Eustache: “Une Sale Histoire” ou “Uma História Suja”.